Paula Chimenti (*) e André Luís da Fonseca (**)
Algumas pesquisas sobre os desafios do intra-empreendedorismo nas organizações, deixam de lado alguns aspectos importantes, o que nos leva a abordar alguns deles, ajudando na compreensão do fenômeno e na solução dos problemas comumente associados a ele.
Para quem não sabe, Corporate Venture Building (ou CVB) é sistematização, por parte da empresa, do processo de criação de startups, falando livremente, que são do interesse da companhia. Ao invés de esperar que o mercado externo produza esses negócios para depois, eventualmente formar parcerias ou comprá-los, a empresa passa a também promover ativamente o surgimento dessas iniciativas.
O conceito de CVB se conecta de muitas maneiras à ideia de intraempreendedorismo que é quando o desejo e ação empreendedora de algum colaborador interno dá origem a um novo projeto empresarial. De fato, quando a startup criada e apoiada pela
empresa foi co-fundada por pessoas que já trabalhavam ali, há muito mais vínculos facilitando o alinhamento estratégico entre a empresa e a nova startup.
Assim, os programas de CVB seriam uma forma de destravar intraempreendedorismo potencial das organizações. Entretanto, isso acontece muito menos que o desejado, ensejando uma busca por motivos e soluções. Antes de buscar motivos e soluções, precisamos entender a natureza do problema e aí aparece uma questão crucial, mas pouco abordada, que diz respeito à natureza da inovação almejada.
Sabemos há muito tempo na academia que há inovações e Inovações. A principal distinção diz respeito ao quanto a inovação rompe com os padrões vigentes, desafiando o modelo de negócios da organização, possibilitando classificá-la como Incremental ou Disruptiva. Enquanto as inovações incrementais são geralmente benéficas para as empresas estabelecidas, a história nos mostra que a inovação disruptiva, ou seja, aquela que desafia o modelo atual e cria novas oportunidades, mercados e modelos de negócios, costuma ser dramática.
Muitas ideias disruptivas podem nascer dos funcionários de uma organização, mas dificilmente elas vão para frente, por medo da canibalização dos negócios existentes. Há ainda um outro aspecto que mata esse tipo de inovação antes que consiga se estabelecer: as competências necessárias para implementar com sucesso uma inovação disruptiva são muito diferentes das competências que a empresa possui no seu negócio original.
Por isso, muitos gestores optam por não fazer o movimento inovador por receio de fracassar. Esse é um dos principais motivos para a inovação vir de fora, geralmente de uma outra organização que, ao invés de ver naquela novidade uma ameaça, enxergou a oportunidade. Além dos desafios inerentes à inovação disruptiva, é importante refletir sobre a cultura e a gestão necessárias para que um programa de corporate venture building produza resultados no Brasil.
Parece claro, por exemplo, que uma cultura empresarial que valoriza a comunicação franca e que promove a ideia de que ser brutalmente honesto compensa é um desses antecedentes. Como incentivar a produção interna de inovação disruptiva se até pra falar há que pensar duas vezes? Estruturas muito hierarquizadas são, frequentemente, empecilhos para a comunicação livre. Em uma startup com 10 colaboradores há uma chance muito grande de que todo mundo saiba o que cada um pensa o que é melhor a ser feito.
E na sua empresa? Se você tivesse uma ideia bem estranha sobre um produto; qualquer um que seja. Digamos que sua empresa fosse a maior do mercado de videocassetes e você estivesse trabalhando em um projeto paralelo. Teria coragem de bater na porta do presidente com a ideia de estender a linha de produtos incorporando algo como o Playstation no seu portfólio?
Nosso ponto é que todas as empresas tem um programa de CVB de forma implícita ou explícita. Ele está encravado na cultura da organização mesmo que o CEO não saiba. Há, por exemplo, uma quantidade enorme de casos de empreendimentos internos que foram disruptivos e muito bens sucedidos em empresas que não tinham programas de CVB como o caso do PlayStation, Post it, Botão de Like do Facebook, entre muitos outros.
Se o seu programa de CVB está fracassando, isso não vai ser corrigido porque agora alguém foi designado para essa missão. O que precisamos é entender porque o sucesso desse programa está aquém do esperado. Geralmente, a chave está na cultura e no papel desempenhado pelo líder como operador cultural dentro da empresa. A liderança da empresa quer realmente inovar? O quão empreendedora ela é?
Essas perguntas são importantes. Empreendedores natos preferem ser gerenciados por gente que ousa e faz acontecer. Não adianta a gente ficar olhando na superfície e se perguntando quem tem e quem não tem um programa de CVB rodando. Depois do “green washing” não vamos entrar agora no “entrepreneurship washing”.
O que faz diferença é se a cultura da sua empresa incentiva e acolhe a iniciativas mais ousadas e estranhas daquela jovem associada que você contratou esse mês. Esse é o ponto de partida. O que vai acontecer depois depende fundamentalmente dessa resposta. O seu programa de CVB já está rodando. Toda empresa tem um. Sugerimos que você remova o que não é compatível com o empreendedorismo na cultura da organização. Leva tempo, mas os resultados serão extraordinários.
(*) – É Professora e Coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação do Coppead/UFRJ e MBA Executivo; (**) – É Pesquisador e Doutorando pelo COPPEAD/UFRJ.