Shirley Fernandes (*)
Atualmente, vivemos em uma cultura em que o alvo de qualquer pessoa que queira crescer na carreira profissional é se tornar chefe. Culturalmente, nos é ensinado que ser um líder significa ter status e obter um lugar diferenciado, e, além disso, que este é um lugar que poucos conseguem acessar. Quando olhamos a história humana, os destaques foram e sempre serão para os grandes líderes políticos e religiosos, que proporcionaram uma disrupção nas criações e inovações humanas.
Como mulher, não posso deixar de observar que a nossa participação em protagonizar algo é muito menor em relação aos homens. E, em muitos casos, não somos nem ao menos notadas, principalmente, dependendo da cultura e da época – não temos o direito de nos expressarmos. E tudo isso se configura como uma desigualdade árdua, onde a milícia é cultural, e ouso dizer mais: milenar.
Estamos em constantes movimentos de transformação. Contudo, parece que a cada dia o peso de ser um líder tende a ser visto num mundo frágil e ansioso em que vivemos. O tal do mundo BANI – Brittle (Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (Não linear), Incomprehensible (Incompreensível) -, criado pelo antropólogo Jamais Cascio, que reflete a realidade das sociedades após o início da pandemia.
Mas como iniciei este texto, fomos criados com a ideia de que ser líder significa ter poder, ser o forte, aquele que tem mais ideias, o que manda e desmanda, o que faz o que quer e pede a tudo e todos. Desde criança, fantasiamos nossos líderes como inabaláveis. Essa também é a visão que o super-heróis passam para a gente: eles são inabaláveis.
É interessante observar que este movimento acontece novamente dentro do mundo corporativo, mas apenas trocando os nomes dos heróis da infância por expectativas dos heróis dentro de um contexto corporativo. É neste viés que salto aqui para uma grande reflexão: Será que todos que estão na função de liderança entendem o propósito de liderar?
Ao longo de muitos anos liderando times e empresas, o arquétipo de liderança se descontrói em meio a realidade nua e crua da vida de um líder. Afinal, liderar é você servir o tempo todo. Abster-se de muitas coisas para si, visando entregar e fazer pelo e para o outro. Um estudo da Gallup, empresa globalmente reconhecida no segmento de pesquisas, mostrou que a cada dez líderes avaliados, nove não estão preparados para a liderança.
Diante desta dualidade, reflito que culturalmente aprendemos que para crescer e ter sucesso é necessário ser o “chefe”. Porém, na realidade, ser o “chefe” não tem nada de glamour, muito pelo contrário. Ou seja, nos deparamos com uma pesquisa que aponta para este descompasso entre realidade e fantasia.
As organizações falham ao escolher seus líderes em 82% do tempo, e a cada dez profissionais selecionados, apenas um possui talento para liderar, segundo um estudo realizado. Você que está lendo este texto e é líder, entende na prática que a liderança envolve muito autoconhecimento e um trabalho imenso para desenvolver o outro. E para você que almeja ser líder, fica a reflexão de entender o proposito e sai da esfera do poder.
Assim, é dentro desta jornada de liderar, ensinar os liderados, extrair o melhor de cada um deles e fragmentar os pontos de atenção para ir tratando aos poucos com paciência e muita empatia; dentro desta jornada árdua com a premissa diária de trazer resultados, que muitas vezes nos fechamos em uma instância onde poucos transitam e começamos a ter uma sensação de estarmos sozinhos. E isso acontece mesmo com líderes que têm milhares debaixo da sua gestão.
É uma solidão em compartilhar os desafios para não ser julgado como frágil, fraco e incapaz. Solidão em não falar sobre as suas dores, pois o líder idealizado não sente, traz resultados e sempre vence. Solidão por não poder ser ele mesmo, em muitas ocasiões, rir de assuntos aleatórios e não ficar preso somente ao trabalho.
Escolher ser um líder vai muito além de crescer profissionalmente, como nos foi vendido a ideia.
A liderança está atrelada ao propósito de vida de quem se propôs assumir este papel, tem a ver com as suas motivações e aspirações individuais e, não apenas com o monetário ou status adquirido. Tenho descoberto a cada dia que o meu propósito está diretamente ligado à liderança, movimentos conscientes e desejos inconscientes que me atraem para esta rota.
Mas já me questionei muito sobre esta doação. E dentro de mim pulsa: ninguém transborda aquilo que não tem dentro do copo. Ninguém sabe o que se passa realmente com os seus líderes. Vestimos uma couraça que oculta nossos desafios internos, para vencer as provas diárias.
Como dizia Ayrton Senna: “Vocês nunca conseguirão saber como um piloto se sente quando vence uma prova. O capacete oculta sentimentos incompreensíveis”.
(*) – É diretora Comercial e de Marketing da N1 IT, empresa do Grupo Stefanini.