A pandemia alterou a dinâmica de trabalho do alto escalão. É o que revela inédito levantamento realizado pelo PageGroup, líder global em recrutamento executivo, em parceria com o Centro de Liderança da Fundação Dom Cabral. De acordo com a pesquisa, dois em cada três líderes estão acelerando tomada de decisões em função da atual crise sanitária e econômica. O estudo aponta que 40% estão tomando decisões muito mais rápidas, 30% um pouco mais rápidas, 13% não notaram mudança significativa, 13% notaram decisões um pouco mais devagar e 4% muito mais devagar.
“São decisões acerca do negócio, da continuidade das operações e da gestão de pessoas. Ainda que o planejamento possa ser alterado, a maioria dos líderes concorda que é preciso ter uma resposta rápida considerando cenários diferentes. Uma vez tomada a decisão, é importante atualizar a empresa e qualificar os colaboradores para os próximos passos”, explica Ricardo Basaglia, diretor geral da Page Executive, especializada em recrutamento executivo do alto escalão.
A pesquisa ‘Realidade e percepções da alta liderança frente à crise’ foi realizada em setembro e outubro, contando com a participação de 230 executivos que ocupam cargos de CEO, vice-presidente, diretor, superintendente e outras posições do c-level (alto escalão) em todo o Brasil. Os dados obtidos neste estudo foram coletados por meio de formulário de pesquisa e entrevistas individuais com líderes de empresas de pequeno, médio e grande porte de diversos setores da economia. O levantamento tem por objetivo evidenciar as perspectivas para 2021, os efeitos da crise e as tomadas de decisão da alta liderança no País.
A aceleração da tomada de decisões trouxe reflexos diretos na forma em como os líderes se relacionam. O levantamento procurou saber como a crise está influenciando a relação do líder com os demais integrantes da diretoria e do C-level. Os dados mostram que a maior parte dos líderes (65%) está se aproximando e trabalhando com mais sinergia. Para 23%, a relação não foi afetada. Já para 7%, há mais distanciamento porque as áreas estão demandando mais atenção enquanto 5% apontam divergências no modo de enfrentar a crise como consequência do distanciamento.
Com as decisões mais aceleradas, grande parte dos executivos percebeu que houve mais descentralização das decisões estratégicas da companhia. A maioria (32%) observou que essas medidas ficaram menos centralizadas e envolveram a participação de outros integrantes da alta liderança. Uma outra parcela, de 7%, notou descentralização e participação de executivos de outros níveis hierárquicos. Também há um percentual significativo de líderes (37%) percebendo um movimento contrário, de um pouco mais de centralização das decisões estratégicas e outro, de 10%, indicando resoluções muito mais centralizadas no líder. Aqueles que não notaram mudança significativa somaram 24%.
O papel do líder tem sido testado constantemente durante a crise. Prova disto é a enorme capacidade com que esse executivo tem lidado com a alta velocidade de transformações, trazendo impacto direto em sua administração. Quando questionados sobre a mudança de seu papel em função da crise, 29% deles informaram que estão dando maior ênfase em habilidades estratégicas. Já 22% decidiram ter um foco em gestão de pessoas e soft skills (habilidades comportamentais). Priorizar questões financeiras foi a opção de 14%.
Mudanças na estrutura organizacional e meu papel não está sofrendo mudanças foram percepções de 10%, cada. Maior ênfase em habilidades criativas representaram 6% das respostas enquanto 5% notaram mais atenção em habilidades tecnológicas e 3% reportaram maior autonomia das tarefas. Além da mudança do papel do líder, outras questões internas têm tomado a agenda dos executivos durante a pandemia.
Entre as que demandam mais atenção, aparecem: redução de custos (48%), gerenciamento de capital humano (42%), criação de novos modelos de negócio (39%), relacionamento com clientes (39%), volatilidade no fluxo de caixa (29%), lançamento/ adaptação de produtos e serviços (26%), atração e retenção de talentos (18%), mudanças nas relações laborais (13%) e outras.
O cenário externo é outra preocupação da alta liderança em tempos de pandemia. Das maiores preocupações reportadas pelos respondentes da pesquisa estão recessão econômica (80%), instabilidade na política nacional (59%), volatilidade cambial (45%), ameaças aos investimentos estrangeiros no Brasil (18%), novos competidores (15%), instabilidade na política mundial (15%), ameaças ao comércio global (10%), cibersegurança (13%) e outros.
Os líderes também foram questionados sobre quais seriam suas maiores preocupações em relação ao gerenciamento de risco no atual cenário. Entre as prioridades listadas, aparecem na ordem: manter funcionários seguros e empregados, liquidez de curto prazo, vulnerabilidade dos clientes, previsões de recessão econômica, gestão da cadeia de suprimentos, fornecer uma rede de segurança para os funcionários e dependência das ações dos governos federal e estadual.
Outro aspecto notado pelo alto escalão das empresas foi o ritmo de transformação tecnológica adotado onde atuam. Para 77%, foi acelerado enquanto 20% não notaram efeito significativo e apenas 3% informaram que as mudanças foram desaceleradas.
Pandemia destaca quatro perfis de liderança. O estudo identificou quatro perfis de liderança com base na atitude do profissional diante da crise e no meio em que está inserido. São eles: o cético, o orientado a pessoas, o autocentrado e o confiante.
O estilo de liderança que o líder expressa pode ser situacional, influenciado pela cultura da empresa e não exclusivamente da sua natureza. Um mesmo líder pode navegar por mais de um perfil. Cada perfil predominante tem mais facilidade em determinados ambientes, mas não exclui sua capacidade de adaptação. Também não se faz uma comparação de certo ou errado, qual é melhor ou pior, mas sim o mais adequado para cada situação e cultura organizacional.
O cético – Espera recuperação da atividade econômica a partir de 2023. preocupa-se com a incerteza pela procura de seus produtos ou serviços; tem tendência a centralizar a tomada de decisão com intuito de ganhar agilidade; e alavras-chave: crise, aprendizado, adaptação, decisão, criatividade e importância. Os líderes que compartilham essa visão atuam em setores que sofreram muito como a crise. Eles pensam em como garantir a sobrevivência dos fornecedores, como ficará a economia com a desvalorização da moeda brasileira no contexto internacional, impactando importação e exportação, e avaliam uma redução nas vendas por uma possível baixa na procura de seus produtos ou serviços.
Boa parte do ceticismo se deve à expectativa de recuperação econômica somente a partir de 2023. Essa incerteza em relação ao futuro e à volatilidade do mercado requer um processo de tomada de decisão mais ágil e direto. Nota-se uma tendência de centralização da tomada de decisão com intuito de ganhar agilidade. Nesse sentido, o distanciamento do modelo remoto proporciona ao líder cético mais espaço para tomar as decisões sozinho, ainda que ele acredite que as reuniões de alinhamento sejam fundamentais para garantir que as áreas não sigam em direções distintas.
O orientado a pessoas – Segurança e produtividade são suas maiores preocupações
• Foco em gestão de pessoas e soft skills; implantou medidas e benefícios visando o bem-estar dos colaboradores; palavras-chave: manter, crise, empresa, adaptabilidade, aprendizado, decisão, empatia, resiliência. A crise e a transição para o home office têm feito muitos gestores experientes, indicados na pesquisa com mais de cinco anos no cargo, a repensarem algumas de suas atitudes. Para o líder orientado a pessoas, a segurança e a produtividade dos colaboradores estão entre suas principais preocupações.
É um perfil de liderança com ênfase em gestão de pessoas e soft skills aliadas ao desenvolvimento de habilidades estratégicas. Nem todos os líderes entrevistados com este perfil atuavam dessa maneira antes da crise, mas desenvolveram essa linha a partir da nova realidade imposta pela pandemia. Os líderes orientados a pessoas afirmam terem se tornado mais sensíveis às questões pessoais dos times e que se aproximaram dos colaboradores no nível pessoal durante a pandemia.
Por conta das adaptações ao trabalho remoto, esses líderes se viram envolvidos na vida particular de seus liderados, identificando as condições e desafios de cada um. Preocupados com o bem-estar dos colaboradores, os líderes orientados a pessoas disponibilizaram estações de trabalho da empresa e reembolso da conta de internet, promoveram conversas individuais para saber como cada um estava se sentindo, happy hours remotos e outros momentos virtuais de integração.
O autocentrado – Tomada de decisão antes do cenário de crise já era mais centralizada; acredita que é normal a flexibilidade diminuir um pouco em tempos incertos; trabalha em uma empresa pequena ou média de até 200 colaboradores; e
palavras-chave: flexibilidade, crise, assertividade, foco, eficiência, negócios. Com a crise e a volatilidade do mercado, empresas de pequeno e médio porte que já expressam uma cultura de tomada de decisão centralizada tendem a se enrijecer ainda mais.
O aumento da centralização vem para os líderes como um efeito colateral à sobrecarga de trabalho. Os gestores entrevistados disseram que estão realizando um número maior de tarefas, o que acaba aumentando sua própria carga horária de trabalho, na tentativa de mitigar os efeitos da crise no desempenho da empresa e na saúde física e mental de seus colaboradores. Os líderes autocentrados dão ênfase às atividades de reestruturação de custos e relações com fornecedores.
Também estão diante de desafios de gestão de equipes em modelos de trabalho e dinâmicas aos quais não estavam acostumados, como todos os colaboradores pela primeira vez no home office ou parte da equipe atuando de casa e a outra parte no presencial. Diante de tantas variáveis, o líder opta por centralizar em si a tomada de decisão, direcionamentos e também a comunicação. Na sua visão, a estrutura centralizada oferece ganhos para a empresa, uma vez que facilita o entendimento das responsabilidades de cada colaborador.
Para o líder autocentrado, a tomada de decisão sendo feita dessa forma não implica em menor transparência, somente diminui a flexibilidade – algo visto como natural pelos gestores entrevistados para momentos de tanta incerteza como a pandemia.
O confiante – Atua em parceria com fornecedores para cuidar da cadeia como um todo; enxerga oportunidades, abrindo espaço para inovação; incentiva uma gestão menos centralizada; e palavras-chave: crise, mudanças, possível, resiliência, agilidade, decisões, oportunidades. Líderes confiantes esperam maior faturamento e contratações a partir de 2021, observando uma melhora na competitividade da empresa. Eles acreditam que o desempenho positivo de um setor compensa o outro que sofreu mais com a crise.
Boa parte dessa confiança vem dos bons resultados que conseguiram entregar mesmo com os impactos da pandemia em suas estruturas. Líderes confiantes querem aproveitar oportunidades do mercado e se dedicam a ajudar fornecedores para promover a sustentabilidade da cadeia. A positividade gerada pela confiança leva a uma gestão menos centralizada. Os líderes confiantes estimulam agilidade nos times, incentivaram a formação de equipes multidisciplinares voltadas para inovação, valorizando as competências de cada profissional e evitando a existência de capacidade ociosa na organização.
Líderes confiantes acreditam que a crise revelou o potencial das pessoas de se reinventar e trabalhar em diferentes áreas, abrindo uma grande oportunidade para aprender e crescer. “O que tudo isso significa para os executivos e a liderança de hoje? Certamente que contexto importa e precisa ser entendido com mais detalhes porque nem todos reagimos de maneira uniforme aos desafios colocados. Líderes bem-sucedidos têm inteligência contextual além das conhecidas inteligências cognitivas e emocionais”, diz Paul Ferreira, diretor do Centro de liderança da Fundação Dom Cabral.
Fontes e mais informações: (https://www.fdc.org.br/) e (https://www.page.com/).