Marcelo Furtado (*)
Já virou lugar-comum dizer que os dados são o novo petróleo: eles são o combustível que move as empresas, mas precisam ser refinados para que possam ser aproveitados em todo o seu potencial. Prefiro dizer que os dados são o oxigênio das empresas: sem dados, o negócio morre em pouco tempo. E, assim como nenhuma parte do corpo humano sobrevive sem oxigênio, nenhum departamento das empresas pode abrir mão dos dados para funcionar direito.
Tomar decisões com base em dados é fundamental para ter negócios com um bom desempenho. Por isso, ter um RH data-driven não é um luxo, mas sim uma necessidade estratégica. Ao se basear em dados, a área de Recursos Humanos das empresas pode planejar suas ações e definir os recursos que serão usados de uma forma muito mais assertiva e antecipar a resolução de problemas por meio de análises preditivas, baseada em comportamento histórico.
Assim como o Marketing precisa ser movido a dados para entender o que o cliente está fazendo e projetar novas ações promocionais, o RH data-driven faz com que a empresa entenda de verdade seus colaboradores, necessidades, desejos e motivações. Mas, para que isso aconteça, é preciso começar pelo começo: transformando a cultura corporativa. É muito comum encarar a transformação do negócio e a adoção de um RH data-driven como algo que depende somente de tecnologia.
O que nem sempre fica claro, porém, é que a tecnologia é um grande acelerador, que faz com que tudo aconteça mais rápido. Assim, os erros também passam a acontecer muito mais rapidamente. Com certeza você conhece alguém (ou você mesmo viveu essa situação) que adotou um sistema de gestão e, de repente, a empresa entrou em parafuso. Na verdade, o que aconteceu é que os processos da empresa já eram um problema, mas como eram analógicos, era possível contorná-los ou atenuar seus efeitos negativos.
Quando a tecnologia automatiza o negócio, os erros e acertos se tornam transparentes. E isso pode ser um problema bom, uma vez que com transparência de informação a empresa pode ir direto ao centro do problema e evoluir a partir dele. Por isso, o passo inicial precisa ser a mudança de cultura. No RH data-driven, isso significa começar a coletar dados, utilizando ferramentas que unifiquem a entrada dos dados, com controle de acessos e parametrizadas com a LGPD e, a partir daí, começar a análise desses dados para ter respostas que certamente vão desafiar o que se pensa sobre o negócio.
Uma cultura baseada em dados é uma cultura que não tem certeza de nada: tudo pode mudar e a empresa precisa ser capaz de se adaptar rapidamente. E é muito difícil fazer isso, pois mudanças geram incertezas. A McKinsey desenvolveu um modelo de adoção de estratégias data-driven baseado em 3 pontos. E eles fazem bastante sentido para a realidade do RH digital:
O volume de informações é tão grande que agora as empresas podem obter informações granularizadas sobre seus negócios. Ver o que antes ficava escondido pode melhorar suas operações, o relacionamento com os colaboradores e a satisfação do time, desde que os gestores saibam usar esses dados. Normalmente, os dados tradicionais mostram uma “foto” do momento, mas nem sempre isso é suficiente.
O uso de sensores e o monitoramento de processos de negócios são algumas ferramentas que impulsionam o RH data-driven e ajudam os gestores a fazer novas perguntas. E boas perguntas geram boas respostas. Ter dados é incrível, mas o melhor é o que se faz com eles. Melhorar a gestão das equipes, oferecer uma estrutura de RH que atenda ao que os colaboradores precisam e otimizar a performance do negócio dependem de um modelo de análise de dados que identifique oportunidades.
Aqui também é importante se livrar de certezas. Quanto mais perguntas, melhor. Saber que a taxa de retenção de profissionais aumentou é positivo, mas é ainda mais importante saber por que aumentou. E como fazer esse aprendizado ser absorvido pela empresa. Importante: os modelos são work in progress. Eles trazem ideias de como é possível melhorar, mas não trazem certezas absolutas. Ao adotar modelos de gestão, o RH assume uma postura de “trabalhar em beta” — tudo pode mudar, dependendo daquilo que os dados apresentarem.
Quando o RH (e qualquer área da empresa) chega a esse ponto de não ter certezas, existe a tentação de abandonar o uso de dados. É por isso que a cultura da empresa precisa abraçar a ideia de que a incerteza não é algo negativo. Uma empresa que testa sempre é uma empresa em busca de novas soluções — e, nesse caminho, com certeza vai errar mais. No RH, isso significa propor planos de engajamento das equipes que não vão funcionar. Significa “dar a cara para bater” e buscar o feedback dos times sobre benefícios, salários e fatores de fidelização dos colaboradores.
Pode significar até mesmo entender que a empresa não está sabendo comunicar seus valores e propósito — e que pode precisar até mesmo identificar qual é seu propósito, o que começa pelo CEO. Ser data-driven não significa somente coletar dados e analisá-los para encontrar oportunidades de melhoria. Com frequência, o RH data-driven precisa se colocar na posição de fazer perguntas, propor ideias e estimular a inovação em todas as áreas de negócios.
Essa é, no fundo, uma posição invejável. Os executivos de RH sempre desejaram ter uma posição mais estratégica, e quanto mais os dados passam a fazer parte dos negócios, mais aumenta a importância de contar com pessoas que façam a diferença nas empresas. Por isso, o RH data-driven oferece aos gestores a possibilidade de promover uma mudança de cultura que leva toda a empresa a fazer sua transformação digital — e estar preparada para os desafios que virão por aí.
(*) – Administrador de empresas com pós em engenharia financeira pela Poli-USP, professor de Inbound Marketing na ESPM-SP, é cofundador e CEO da Convenia, software na nuvem de gestão de RH voltado para pequenas e médias empresas.