Leandro Nagliate (*)
As infrações tributárias cometidas pelas empresas resvalam invariavelmente nos sócios. Mesmo sem qualquer participação ou responsabilidade no ilícito, o fato de estarem no quadro societário de uma organização já os qualifica para penalizações no entendimento do Fisco. As punições são pesadas e podem resultar em penhora do patrimônio pessoal; e aqui se incluem imóveis, veículos e contas bancárias.
Porém, um novo entendimento que vem ganhando força no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pode beneficiá-los.
Isso porque duas das três turmas da Câmara Superior, que constitui a última instância do órgão, consideram que os sócios só devem ser responsabilizados pelas infrações diante da comprovação de que houve participação e interesse na conduta indevida da empresa. Desta forma, os dirigentes da companhia passariam a ser penalizados individualmente.
Uma das manifestações neste sentido foi proferida pela 1ª Turma da Câmara Superior, responsável por julgar cobranças de Imposto de Renda e CSLL. Por maioria de votos, os conselheiros decidiram excluir três sócios de um processo de cobrança fiscal.
Para se ter a noção das consequências para estes sócios, caso fossem mantidos no processo haveria inscrição em dívida ativa do valor do débito. O Fisco também teria autonomia para cobrar valores devidos pela empresa diretamente dos sócios que, neste caso, poderiam ter seus bens pessoais penhorados.
A 3ª Turma da Câmara Superior, a quem compete deliberar sobre PIS e Cofins, responde por duas decisões. Quando foram apreciados no ano passado, os contribuintes foram beneficiados em um dos julgamentos por maioria de votos, e em outro pelo critério de desempate (voto de qualidade).
A título de entendimento sobre estes processos, vale acompanhar um pequeno histórico. Todos são resultados da Operação Corrosão, deflagrada pela Receita Federal em 2015, na 20ª fase da Lava-Jato. As empresas envolvidas, que teriam supostamente participado de um esquema fraudulento, atuam na área de metais e reciclagem. Ocorre que companhias fantasmas teriam sido criadas para emitir documentos falsos e gerar créditos e despesas fictícias.
Quando chegou à 1ª Turma da Câmara Superior, o caso apontou como mentores do esquema dois sócios de diferentes empresas e três filhos de um deles, sócios de uma holding familiar. Mas, como consta no processo nº 10932.720041/2015-43, os conselheiros determinaram que os três filhos deveriam ser excluídos do processo de cobrança fiscal, justamente por não figurarem como dirigentes ou sócios da empresa autuada e não se associarem às fornecedoras de fachada.
Diferentemente do entendimento dos conselheiros da 1ª Turma da Câmara Superior que acabou por excluir os filhos na execução da cobrança, o Fisco invocou dois artigos do Código Tributário Nacional (CTN) para envolver os sócios. O 135 discorre sobre a responsabilização de sócios, diretores e gerentes de empresa que agiram com excesso de poder ou cometeram infração à lei. O segundo, 124, trata de interesse comum na situação, em caso de não pagamento do tributo.
Sem a individualização das condutas e a comprovação da atuação de cada sócio, a 1ª Turma considerou que o artigo 135 do CTN não tinha aplicação. Sobre o artigo 124, que versa sobre interesse comum, os conselheiros entenderam que seria necessário demonstrar a questão patrimonial entre o contribuinte que não honrou os tributos e o terceiro, que o órgão fiscalizador quer responsabilizar. Neste caso, a 1ª Turma ressalta que cabe ao Fisco a reunião de provas diretas ou que indiquem confusão patrimonial.
Um dos casos chegou à 3ª Turma da Câmara Superior a partir de recurso da Fazenda Nacional contra decisão da chamada câmara baixa, que já havia decidido a favor do contribuinte. Também neste colegiado, o entendimento é praticamente idêntico ao da 1ª Turma.
Da mesma forma, os conselheiros voltaram as atenções aos artigos 124 e 135 do CTN e concluíram, conforme o processo nº 13819.723481/2014-66, que não havia demonstração inequívoca do interesse comum do sócio na situação, tampouco comprovação de excesso de poder ou participação na infração tributária.
Em manifestação contrária às decisões dos conselheiros das duas turmas da Câmara Superior, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma em nota que os casos são “decisões isoladas, que não refletem jurisprudência”.
E vai além: reitera que, por jurisprudência, Carf e Superior Tribunal de Justiça (STJ) consideram, em caso de fraude comprovada e caracterizado o interesse comum, que administradores, gerentes e sócios com poder de gestão devem ser responsabilizados.
De toda forma, vale reiterar que o entendimento que ganha corpo no Carf, a partir do posicionamento das duas turmas da última instância do órgão, aponta o caminho para a apuração e distinção de responsabilidades nos quadros diretivos e societários das empresas em caso de infrações e fraudes tributárias, e aliviar em termos a ânsia do Fisco.
(*) – Advogado formado pela PUC de Campinas, é especialista em previdenciário e tributário. Leandro é sócio da Nagliate e Melo Advogados, em Campinas (http://www.nagliatemelo.com.br/).