Wagner Farid Gattaz (*)
As discussões sobre desafio de garantir a saúde mental do trabalhador avançam para além dos consultórios médicos e departamentos de recursos humanos.
O Projeto de Lei 2364/2023, em discussão no cenário legislativo, propõe um incentivo fiscal destinado a empresas que comprovem investimentos em programas de saúde mental e promoção de grupos de ajuda e acolhimento no ambiente de trabalho.
Essa iniciativa consiste na possibilidade de dedução em dobro do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) devido em cada período de apuração, limitada a 5% do imposto devido. Os fundamentos que sustentam tal proposição se encontram embasados na urgência e na imperatividade de intervenções voltadas à proteção da saúde mental dos trabalhadores.
Conforme pesquisa conduzida pela Gattaz Health, compreendendo uma amostra de mais de 100 mil profissionais oriundos de grandes corporações brasileiras, constatou-se que 43% deles apresentaram sintomas depressivos, dentre os quais em 13% foram confirmados diagnósticos da doença.
O estudo também identificou que um em cada cinco trabalhadores enfrenta a síndrome de burnout, enquanto 9% apresentam padrões de consumo alcoólico considerados abusivos ou que evidenciam dependência.
Tais dados apontam para uma realidade em que a saúde mental dos trabalhadores está em risco e as implicações disso para o ambiente corporativo são consideráveis. Em empresas com grande contingente de funcionários, a depressão sozinha é a maior responsável pelos afastamentos do trabalho.
Por exemplo, em uma organização com 10 mil colaboradores, a Gattaz Health constatou que a depressão foi responsável por 15.000 dias de trabalho perdidos em um ano. Todavia, o absenteísmo representa apenas 32% dos custos. O custo maior da doença mental se relaciona ao presenteísmo, manifestado pela queda de produtividade no ambiente de trabalho.
Profissionais com baixos níveis de bem-estar apresentam produtividade 33% menor quando comparados àqueles com escores elevados. A este cenário, soma-se ainda o turnover causado pelos transtornos mentais, que representam 10% dos custos para a empresa. Esses fenômenos não apenas incidem em dispêndios financeiros sobre as empresas, mas também comprometem a produtividade e a coesão organizacional.
O incentivo fiscal proposto pelo projeto de lei emerge como uma resposta a esses desafios, buscando estimular investimentos em programas de saúde mental no ambiente corporativo. O projeto visa não apenas mitigar os custos financeiros associados à saúde mental dos trabalhadores – para a empresa, poder público e os próprios colaboradores – mas também promover um ambiente laboral mais saudável e produtivo. No entanto, cabe reconhecer que o Projeto de Lei não está isento de desafios.
Questionamentos sobre a eficácia dos programas propostos podem surgir na ausência de regulamentação, dispositivos ou monitoramento que inste sobre a aplicação de metodologias desenvolvidas sob estritas bases científicas. Apesar disso, os benefícios potenciais para as empresas, os trabalhadores e sociedade justificam a necessidade de avançar com medidas que priorizem a saúde mental no ambiente corporativo.
Este tipo de iniciativa representa um passo significativo na direção de uma abordagem mais holística e responsável em relação à saúde mental no contexto laboral. Ao reconhecer e endereçar os desafios enfrentados pelos trabalhadores, essa iniciativa não apenas fortalece o tecido empresarial, mas também promove o bem-estar e a dignidade de todos os envolvidos.
Ainda há muito preconceito relacionado à saúde mental, sobretudo no trabalho. Precisamos derrubar esse estigma para ampliarmos os diagnósticos e a promoção de tratamento adequado. Isso resultará em menos sofrimento ao trabalhador e expansão da produtividade laboral.
Nesse sentido, cabe aos atores legislativos e empresariais trabalharem em conjunto para garantir que esse projeto seja implementado de forma eficaz e equitativa, assegurando um ambiente de trabalho saudável e produtivo para todos.
(*) – É médico psiquiatra, professor titular do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP e Chairman da Gattaz Health.