Artur Marques da Silva Filho (*)
Um dos problemas mais graves que o Brasil precisa solucionar diz respeito à qualidade da vida dos aposentados, que serão cada vez mais numerosos em proporção à população economicamente ativa, à medida que a longevidade média vai aumentado e os índices de natalidade, diminuindo.
Trata-se de um gargalo persistente há décadas, que vem sendo postergado com medidas paliativas e sempre desfavoráveis aos trabalhadores. Toda vez que se fala em reforma previdenciária, já se conhece previamente o desfecho: aumento das exigências do tempo de contribuição e/ou da idade mínima para aposentadoria, sob a desgastada alegação de que o déficit do INSS é uma das causas do desequilíbrio fiscal do Estado.
Ora, num país no qual mais de 90% dos trabalhadores, segundo estudos de consultorias e dados oficiais, ganham menos do que três mil reais mensais, como imaginar que o sistema de aposentadorias seja bancado pela classe laboral? É preciso uma política efetiva de Estado para atender o direito inalienável de aposentadorias dignas. A primeira medida nesse sentido seria rever drasticamente os incentivos fiscais.
Em 2023, segundo publicou o site da Câmara dos Deputados, as renúncias de impostos em benesses concedidas pela União a parcelas da sociedade chegaram a R$ 456 bilhões, ou 4,29% do PIB. O valor é superior ao que o Governo Federal gasta anualmente com o pagamento do quadro de pessoal e 1,7 vez mais alto do que o saldo negativo do INSS acumulado de janeiro a outubro de 2023, que foi de R$ 267,5 bilhões.
Ou seja, cortando cerca de apenas metade dos subsídios tributários, a União teria mantido a Previdência absolutamente saneada. E, se extinguisse o total dos estímulos, poderia ter estabelecido, em janeiro último, um reajuste aos aposentados e pensionistas do INSS, sem qualquer déficit, bem maior do que os 3,7% equivalentes à inflação do ano anterior. Este critério para atualização dos proventos, cabe lembrar, é determinado por uma lei que, de certa forma, pune o trabalhador e, portanto, precisa ser revista.
E aí, alega-se, levianamente, que são os beneficiários do INSS e os servidores públicos, inclusive os aposentados por regimes previdenciários próprios dos governos estaduais, municipais e federal, os responsáveis pelo déficit orçamentário do erário e o rombo da Previdência. Pergunta-se: quanto a chamada desoneração da folha de pagamentos, vigente desde 2011 e pela qual continuam brigando ferozmente 17 dos maiores setores de atividades do Brasil, já drenou de recursos do INSS?
É pertinente enfatizar que esse subsídio concedido a milhares de empresas significa substituir a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre os salários por alíquotas que variam de 1% a 4,5% da receita bruta. É uma grande operação contábil, que transfere dinheiro do financiamento das aposentadorias para o cofre dos empregadores. Este é apenas um de muitos exemplos de como é distorcida a visão referente à questão previdenciária no Brasil.
A tóxica verdade é que os aposentados brasileiros, sejam do INSS ou dos sistemas próprios para o funcionalismo público estatutário, são reféns de estruturas previdenciárias invariavelmente mal concebidas e geridas. Temos clara percepção do problema no quadro dos 244.317 associados da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP), uma amostragem significativa, pois a entidade é a maior do gênero na América Latina, congregando servidores da União, do governo estadual e das prefeituras que atuam no território paulista.
Do total, 94.085 são aposentados, sendo 47%, ou 44.220, por meio do INSS e 53%, ou 49.865, por regimes próprios de São Paulo, prefeituras ou do Governo Federal. Os primeiros dependem da famigerada lei do reajuste pela inflação do ano anterior; os segundos estão submetidos às decisões dos governos da União e das unidades federativas, que invariavelmente têm sido no sentido de congelar os valores dos salários e proventos por longos períodos.
E todos, como ocorre com a imensa maioria dos aposentados brasileiros, estão com os vencimentos muito defasados. É preciso mudar esse modelo, pois aposentadoria não é favor a ninguém, mas sim um direito inalienável de quem batalhou muito na estrada da vida!
(*) – É presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).