Apesar de uma clara amizade ao longo de diferentes governos, Brasil e Estados Unidos não forjaram uma base de cooperação sólida a longo prazo. A fim de entender esse processo e transformar essas perspectivas para o futuro, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) lançou nesta sexta-feira (6) o Dossiê Brasil-Estados Unidos: Um Diálogo Estratégico sobre Cooperação no âmbito do G20.
Produzido em parceria com seis dos mais influentes think tanks americanos – Atlantic Council, Institute of The Americas, Wilson Center, Quincy Institute, Center for Strategic and International Studies e Inter-American Dialogue –, o documento foi lançado em um evento reunindo os principais autores e mediado pela professora Fernanda Magnotta, senior fellow do CEBRI.
“Houve muitas oportunidades perdidas. Não é que Brasil e Estados Unidos não se deram bem – pelo contrário. Eles foram bons amigos ao longo dos anos. Por muitos anos, talvez menos agora, o Brasil era visto como o país mais amigável aos Estados Unidos na América Latina. Então, certamente, não foi por falta de vontade, mas pela ausência de cooperação concreta que não se tornaram aliados”, avalia Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue.
Para ele, a Venezuela pode ser hoje uma oportunidade de colaboração entre os dois países. “Ambos os países têm interesses significativos no futuro político e governamental da Venezuela, o que poderia ser um ponto de convergência, apesar de suas perspectivas diferentes. Não é uma cooperação natural, mas uma que poderia surgir devido aos interesses mútuos.”
Para os analistas, questões como mudanças climáticas, transformação digital e fortalecimento da governança multilateral, amplamente tratadas durante este ano na presidência brasileira do G20, representam possibilidades para a ação conjunta dos dois países no âmbito do bloco. Nidhi Upadhyaya, diretora-adjunta de Política Global e Finanças do Atlantic Council, destacou a prioridade para investimentos em adaptações climáticas como “necessidade urgente” entre os países.
“Este deve ser um objetivo comum entre os países: enquanto o Brasil sofreu com as enchentes no Rio Grande do Sul em abril deste ano, os EUA enfrentaram uma onda de calor extremo no Leste americano que causou inundações do Meio-Oeste em junho. Precisaremos criar políticas ambientais entre as duas nações, além de políticas ambientais em empresas privadas, a fim de garantir resultados”, ressalta a diretora.
“Sempre falamos sobre mobilizar investimentos, mas é crucial garantir que esses investimentos cheguem às comunidades certas, às pessoas certas, às áreas certas da economia para mantê-la estável no futuro”, afirma. Para Valentina Sader, diretora adjunta do Adrienne Arsht Latin American Center no Atlantic Council, há no contexto do G20 uma oportunidade para envolver grupos, especialmente o setor privado, a fim de fomentar uma colaboração em questões climáticas.
“Acreditamos que existem três áreas principais nas quais Brasil e Estados Unidos poderiam colaborar: adaptação climática, transição energética e avanços tecnológicos em soluções baseadas na natureza”, defende. A exclusão do Brasil do Conselho de Segurança da ONU ainda é uma questão pendente e um espinho nas relações dos países na avaliação de afirma Henry Ziemer, membro associado do Americas Program no Center for Strategic and International Studies.
“Mas o Sul Global está em ascensão e o Brasil é um líder – tem a maior economia da América do Sul, é respeitado internacionalmente, está sediando o G20 e tem as credenciais para desempenhar um papel produtivo no futuro do G20 ou no Conselho de Segurança da ONU. O momento é agora. Se o Brasil deseja reformar de maneira significativa a arquitetura de instituições como a ONU e o Conselho de Segurança, precisará mostrar que é capaz de tornar essas instituições mais eficientes e de oferecer soluções para os maiores desafios que enfrentamos”, defende Ziemer.
Para ele, o Brasil viu o G20 como oportunidade para mostrar sua liderança. Por outro lado, disse, os Estados Unidos certamente não querem ser vistos como ausentes ou incapazes de competir efetivamente no Sul Global. Ele vê nesse cenário uma oportunidade para maior colaboração: “Ambos os países não alcançaram o que desejavam no G20, o que abre espaço para promover uma agenda mais positiva.”
Além da questão ambiental, o autor afirma que Brasil e Estados Unidos conversam na questão da disputa com a China e nos investimentos em forças modernas para garantir a paz. Ele considera que o debate sobre a inteligência artificial também é uma porta de entrada para futuros acordos.
“A relação entre as nações é esporádica e baseada em crises. Temos expectativas ambiciosas, mas realistas, de como vai ser essa relação daqui para frente. Acredito que o debate internacional sobre inteligência artificial possa uni-los. A tecnologia americana pode ajudar nas inovações dessa área no Brasil”, destacou Ziemer. Uma outra área explorada foi a mineração.
Segundo ele, a futura administração Trump vai dar prioridade à questão dos minerais críticos e estratégicos.”Grande parte desse foco será nos Estados Unidos, mas parte dele definitivamente estará nas Américas. O Brasil, claro, é uma potência mineral nas Américas. Então, se há espaço para uma troca mais produtiva em algum setor da economia, acredito que seja esse. Isso também pode gerar sinergias na transição para energia limpa.”
Além deles, o encontro contou com a participação de Jeremy Martin, vice-presidente de Energia e Sustentabilidade do Institute of the Americas; Luiza Duarte, global fellow do Brazil Institute do Wilson Center; e Sarang Shidore, diretor do Programa de Sul Global do Quincy Institute for Responsible Statecraft.
Martin destacou as possibilidades de cooperação no setor energético. “Brasil e EUA são líderes globais na produção de biocombustíveis. No entanto, agora há uma oportunidade de avançar para biocombustíveis de segunda geração, que utilizam matérias-primas não alimentares, como resíduos agrícolas. Essa área é promissora para colaboração futura, especialmente em combustíveis sustentáveis para aviação”.
Sarang Shidore também abordou a necessidade de reformar as instituições multilaterais. Segundo ele, é preciso pensar no Conselho de Segurança da ONU como órgão que represente “todas as partes do Sul Global de forma equitativa, justa, mas também eficaz”.
“Nesse processo, as potências menores não devem ser negligenciadas. O Brasil, por exemplo, tem uma longa história de diplomacia na África e será um parceiro importante para trazer essas potências menores ao UNSC. Por isso, propusemos uma nova categoria de assentos semi-permanentes, para incluir países de médio porte de forma mais equitativa dentro do Sul Global, reconhecendo que o próprio Sul Global tem diferentes níveis de poder”, sugeriu.
Luiza Duarte ponderou que a vitória de Donald Trump muda o futuro das relações entre os dois países. Ela se disse pessimista em relação a reformas na ONU, mas considerou que o G20 pode ganhar relevância e se tornar o fórum preferencial para o engajamento internacional. “Dentro do G20, Brasil e EUA poderiam avançar a cooperação em pelo menos duas áreas principais que já foram estabelecidas: inclusão digital universal e significativa e governo digital, além de infraestrutura digital pública inclusiva”, afirmou. – Fonte e mais informações: (https://www.cebri.org/).