
Rodrigo Cantelli (*)
A evolução do varejo vem sendo impulsionada por avanços tecnológicos que transformam a maneira como interagimos, no dia a dia, com lojas, bancos, supermercados e diversos outros serviços.
Recentemente, durante meu garden leave, aprofundei meus estudos sobre esses temas nos programas Leading AI-Driven Organizations, no MIT – Massachusetts Institute of Technology, e Corporate Governance Program – Developing Exceptional Board Leaders, da Columbia University. Ambos, sob perspectivas complementares, abordaram temas como a evolução dos negócios, o impacto das novas tecnologias, o estado da arte em gestão e governança, além dos desafios e oportunidades que se desenham para as lideranças empresariais.
A transformação do setor bancário
A tecnologia tem desempenhado um papel crescente na evolução do varejo bancário e do mercado de pagamentos, redefinindo, sobretudo, a interação dos consumidores com os bancos. Ao longo das últimas décadas, o setor bancário passou por marcos tecnológicos que refletem essa transformação e indicam tendências futuras:
- O cliente da agência: No meu primeiro emprego, como office boy, minhas principais tarefas envolviam pagar contas e descontar cheques em agências bancárias. Na época, era preciso ir até a agência específica da conta, o que exigia múltiplas visitas diárias. Com os sistemas online, essa rotina ficou obsoleta para as novas gerações.
- A revolução dos canais digitais – Internet Banking e Apps: A introdução do Internet Banking e, posteriormente, dos aplicativos móveis trouxe o banco para a palma da mão do cliente. O resultado foi uma drástica redução na necessidade de visitas presenciais para operações cotidianas, como pagamento de contas e transferências.
- PIX e as Fintechs – o declínio do canal físico: A adoção massiva do PIX, o surgimento de fintechs e de bancos totalmente digitais, praticamente eliminaram a necessidade de visitas físicas às agências para transações rotineiras. Não por acaso, estamos assistindo ao fechamento em massa das chamadas “lojas bancárias”. Assim como no varejo tradicional, sem tráfego de clientes não há justificativa para manter um ponto de atendimento aberto.
O que está por vir? A influência das big techs
O setor bancário vive mais um ponto de inflexão. A tendência é a consolidação dos APP dos bancos em plataformas unificadas, substituindo a fragmentação por segmentos, produtos ou geografias. A inspiração vem da alta tecnologia: Amazon, Netflix e Uber operam plataformas globais, altamente personalizáveis, que utilizam machine learning para oferecer experiências consistentes e personalizadas, independentemente da localização geográfica.
No Brasil, os neobanks lideram essa jornada, aproveitando a ausência de legados tecnológicos pesados e um ambiente regulatório mais flexível. No entanto, ainda enfrentam desafios relacionados à falta da amplitude do portfólio de produtos oferecido quando comparadps aos grandes bancos. Estes, por sua vez, em sua maioria, ainda segmentam suas soluções em diferentes aplicativos para funções distintas (cartão, conta corrente, conta internacional, etc.) e perfis de clientes (baixa e alta renda, por exemplo).
A vez da inteligência artificial no setor financeiro
Assim como em outros mercados, a bola da vez é a Inteligência Artificial. Mas, apesar das expectativas, é preciso dizer: a IA não é uma bala de prata. Trata-se de uma ferramenta — poderosa, sim — para aprimorar processos e experiências.
Um dos primeiros exemplos de uso vem com o Deep Learning, que tem permitido a evolução dos modelos de concessão de crédito e análise de risco. Isso possibilita o aumento do volume de crédito ofertado com maior precisão e sem elevação das provisões para devedores duvidosos (PDD).
O Machine Learning tem potencial para revolucionar o behavioral model, oferecendo sugestões altamente assertivas de produtos, cross selling e upselling. Imagine um cliente com saldo positivo em conta, perfil de investidor e histórico consistente de pagamentos via PIX: os bancos poderão sugerir investimentos adequados ou linhas de crédito no momento mais oportuno.
Por outro lado, as instituições financeiras precisam intensificar seus investimentos em sistemas antifraude, mantendo-se atualizadas com as novas técnicas baseadas em IA, já que algumas quadrilhas têm se apropriado dessas tecnologias.
A nova experiência do cliente no varejo bancário
Com o fechamento das agências, o setor financeiro enfrenta o desafio de atender, de forma remota, clientes de renda média e baixa, que antes contavam com especialistas no atendimento presencial. Enquanto outros setores do varejo criaram soluções alternativas, o modelo bancário ainda busca um formato eficaz.
Nos EUA e no Brasil, os Work Cafés do Santander oferecem suporte presencial em um ambiente de café (leia-se com acesso a wi-fi), mas essa solução não tem escalabilidade. Atualmente, as principais alternativas são contact centers, chatbots e correspondentes bancários/agêntes autonomos de investimentos, que enfrentam limitações. Chatbots muitas vezes não atendem bem a diferentes gerações, enquanto correspondentes bancários e agêntes autonomos carecem de conhecimento amplo sobre produtos financeiros e sofrem com incentivos desalinhados às reais necessidades dos clientes.
O caminho: GenAI e o Human in the Loop
A melhor solução para o varejo bancário pode estar no uso de agentes de IA Generativa (GenAI) para atender clientes em tempo real por canais acessíveis, como o WhatsApp. Treinada para serviços financeiros, a GenAI pode elevar a qualidade do atendimento, mas o conceito de Human in the Loop segue essencial. Assim, a IA deve complementar, não substituir, o suporte humano. Com essa abordagem, é possível identificar automaticamente produtos financeiros adequados e contatar o cliente no momento e canal ideais, aprimorando a experiência de atendimento.
Dados e governança: os alicerces da nova era
Dados são essenciais para a IA, e uma governança robusta deve integrar estratégias como supervised fine-tuning, Retrieval Augmented Generation (RAG) e prompt engineering, sempre com o conceito de Human in the Loop. Esse modelo fortalece a Responsible AI (RAI), garantindo o desenvolvimento e uso ético, transparente e seguro da inteligência artificial.
Sem dúvidas, a próxima fronteira do varejo bancário está em construção, com seus pilares na combinação de dados, tecnologia e inteligência humana para criar jornadas mais fluidas e confiáveis para os clientes. Vale lembrar sempre que as empresas que criam IA devem ser responsáveis pelos impactos e decisões que ela toma. Afinal, não dá apenas para “culpar o algoritmo”!
(*) VP de Varejo da Sociedade de Usuários da Tecnologia de São Paulo (SUCESU-SP).