Flávia Bortoluzzo e Filipe Luis de Paula e Souza (*)
“Tantos e tão diversos problemas tive que resolver. Eram deficiências do meu país. Já que eu estava lá, o melhor era procurar as soluções em vez de perguntar o porquê de estar lá” (Saulo Ramos).
Um desses diversos problemas citados pelo saudoso ministro Saulo Ramos, sutilmente abordado no meio tributário, e, ainda, raramente utilizado, é a transação tributária. Esta ferramenta, ainda hoje quase completamente desconhecida do grande público, pode representar o liame entre a grande derrocada ou a solução ajustada e ideal para o contribuinte em dificuldade financeira.
Até pouco tempo, uma das ferramentas preferidas do legislador, era o programa de parcelamento especial, que é aquele que deveria trazer regras excepcionais àquelas previstas para o parcelamento ordinário. Refis, Paes, Paex, Refis da Copa, Refis da Crise e tantos outros. Em outras palavras, o propósito destes programas especiais seria o de tratar situações que fugiriam à normalidade institucional.
Em que pese o pressuposto de excepcionalidade para tais programas, ao longo dos últimos 22 anos, foram criados quase 40 programas de parcelamentos dito especiais. Todos eles com expressivas reduções nos valores das multas, dos juros e dos encargos legais, prazos para pagamento alongados e a possibilidade de quitação da dívida com créditos de prejuízos fiscais e de bases de cálculo negativas.
Todo esse arcabouço de programas, obviamente, é fruto da complexidade do sistema tributário brasileiro que faz com que o custo de apuração e recolhimento dos impostos, o chamado custo de conformidade, seja extremamente elevado. E, por sua vez, toda essa complexidade deságua na insegurança sobre as regras aplicáveis e elevam os números de processos entre contribuintes e fisco, tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial.
Portanto, aquilo que deveria fugir à normalidade, passou a ser regra e, de tempos em tempos, começavam as apostas de um ou outro contribuinte quanto ao novo programa que dessa vez salvaria as lavouras perdidas. Pois bem, esse era o cenário no qual estávamos mergulhados e no qual, apesar da previsão legal e não regulamentada no Código Tributário Nacional (CTN), a transação em matéria tributária ainda era letra morta.
Diante do grave quadro fiscal enfrentado pelo País, em 2019, foi editada e publicada a Medida Provisória nº 899/2019, com as disposições que possibilitariam a autocomposição em matéria fiscal, visando, basicamente, um aumento da efetividade da recuperação dos créditos e a redução da excessiva litigiosidade que costumeiramente representa aumento de custos, perda de eficiência e prejuízos à administração, aumentando o custo Brasil.
Foi assim que nasceu a agora revigorada transação tributária, um instrumento de solução ou resolução de conflitos tributários, completamente adequado, moderno e que traz consigo algo que vai além da finalidade meramente arrecadatória, que representa correto tratamento dos contribuintes, sejam aqueles que já não possuem capacidade de pagamento, ou aqueles que foram autuados, observando a necessidade de concessões mútuas e um ambiente justo para os negócios.
Aqui cabe um aparte para afirmar categoricamente que a transação tributária não pode ser considerada sob nenhuma hipótese como um parcelamento. Pelo contrário, neste ambiente maduro de negociações, o Estado se aproxima do particular e passa a analisar detidamente as condições nas quais estão inseridos os contribuintes e, acima de tudo, passa-se à análise da capacidade de pagamento deste contribuinte, para que seja possível formatar um fluxo de pagamento adequado à cada caso.
Com estas premissas em mente, a Lei nº 13.988/2020 cria duas modalidades de transação tributária: a transação por adesão e a transação individual. A transação por adesão leva em consideração o ambiente no qual se encontra o contribuinte e cria condições fixas para determinadas ocasiões, sendo que toda a tramitação é feita quase que exclusivamente por sistema. Por outro lado, a transação individual é uma modalidade aberta em que todas as condições podem ser objeto de negociação detalhada.
É nesta última modalidade que mora um dos principais tonificadores deste importante instrumento de solução consensual do grave problema tributário brasileiro. Isso porque, é por meio da transação individual que hoje os contribuintes podem utilizar o prejuízo fiscal ou a base de cálculo negativa da CSLL, como parte do pagamento de seu passivo tributário.
Obviamente, a utilização deste ativo é excepcional e deve ser demonstrada sua relevância na negociação da transação individual. Entretanto, este ponto se apresenta como um importante reconhecimento de situação de fragilidade do contribuinte e, ao mesmo tempo, se apresenta como um exemplo de que serão adotadas todas as ferramentas possíveis para a promoção da plena recuperação do contribuinte.
Vale repisar que a transação individual com a utilização de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL é a medida discricionária da administração tributária e somente será utilizada quando verificado que, após todos os descontos possíveis – que podem chegar a até 65% do valor total da dívida – e todas as postergações– que podem chegar a até 120 meses – não são suficientes para a equalização de todo o passivo daquele contribuinte específico.
Somente nessas condições é que o contribuinte poderá acessar essa forma diferenciada de pagamento se utilizando do prejuízo fiscal ou da base de cálculo negativa da CSLL para pagamento de até 70% do saldo remanescente de seu passivo.
É dentro de todo esse contexto que, aos poucos, vai se criando um ambiente favorável para uma política tributária completamente revigorada atenta aos princípios da consensualidade e da resolutividade e que representa uma pá de cal sobre os programas de parcelamento especiais que de especiais não tinham nada.
Neste contexto, é importante ter em mente que o remédio não está pronto na prateleira dos programas de parcelamento, já que esse remédio é personalizado para a situação de cada contribuinte.
Portanto, conforme a realidade, vem a solução bem planejada, demonstrada e negociada, assim como o almejado bom termo para o seguimento e até o soerguimento dos negócios.
(*) – É especialista em gestão tributária e sócia da LBZ Advocacia. É consultor da área do contencioso civil e recuperação judicial do mesmo escritório (http://lbzadvocacia.com.br).