César Piorski (*)
A década de 20 registra a mais emblemática fraude da história financeira. Estima-se que, aproximadamente, US$ 20 bilhões migraram das mãos de inúmeras pessoas para as mãos de Charles Ponzi (estelionatário nascido na Itália e imigrou para os Estados Unidos, criador do grande esquema fraudulento conhecido como pirâmide financeira), que alegava possuir um modelo de negócio inovador com ganhos rápidos, fáceis e seguros.
Em 2008, Bernard Madoff (ex-presidente da Nasdaq e financista responsável pela maior fraude financeira da história dos Estados Unidos), aplicou os princípios de seu predecessor e conseguiu que, no total US$ 60 bilhões, saíssem das mãos de inúmeros investidores e homens de negócios diretamente para as suas.
Apesar de fraudulentos, os modelos de negócios estilo Ponzi se mostraram tão exitosos que são replicados com bastante frequência, como foi caso das Fazendas Boi Gordo, Avestruz Master, Telex Free, Enron, Encol, Crise do subprime em 2008, apenas para citar alguns casos mais graves.
Recentemente, mais uma safra de rombos veio à tona, como é o caso da Aviação Itapemirim, Lojas Americanas, Ortopé e, como se não bastasse, ainda correm fortes boatos acerca de possíveis “manobras” tributarias na Ambev que, se comprovadas, revelariam a existência de sérias debilidades econômicas desta empresa. Isso sem considerar outros casos que, de pequena monta, não atraem as manchetes, mas são em quantidades suficientes para alimentar o setor de recuperação judicial.
Diante de tamanhos escândalos, somos levados a acreditar que estamos diante de um apagão de honestidade ou descarrilhamento de caráter, o que não seria uma verdade.
Na realidade, todo este comportamento fraudulento tem origem em dois pilares fundamentais, quais sejam: acirramento da concorrência, o que leva a pressão por resultados cada vez maiores e um sistema financeiro altamente desenvolvido, que permite transformar praticamente qualquer coisa em dinheiro, a partir das famosas operações de securitização, consequentemente, negócios economicamente inviáveis são erroneamente tomados como exemplos de sucesso, quando na realidade as transações financeiras destes negócios é que, em alguma medida, representam um temporário sucesso.
O acirramento da concorrência é uma decorrência natural do processo de mercado, todavia, no Brasil, este desafio assume aspectos dramáticos, visto que, já passamos por episódios hiperinflacionários, troca de moedas, vivenciamos regimes ditatoriais, democráticos, confiscos de poupanças, presidentes eleitos e depostos, surtos de crescimentos e prolongadas recessões, e tudo em menos de setenta anos. Toda essa instabilidade econômica e política tem o poder de criar e destruir mercados praticamente da noite para o dia.
O efeito não premeditado de toda esta instabilidade econômica e política é o surgimento de empresas descapitalizadas, destruição da poupança nacional e o esgarçamento do tecido econômico. Os efeitos desta instabilidade são evidentes, nossa produtividade vem caindo desde a década de 1980, sustentamos prolongadamente taxas de juros muito acima da média mundial, alimentamos uma inflação não desprezível e convivemos com uma concentração de renda muito próxima do humanamente intolerável.
Por outro lado, o desenvolvimento do sistema financeiro creditício, favorecido pela inauguração da nova arquitetura financeira internacional, a partir de meados da década de 1970, com a revogação do padrão ouro, no qual as moedas nacionais eram emitidas com lastro na quantidade de ouro existente no país, permitiu aos governos imprimirem moeda sem qualquer lastro, cuja contrapartida é a dívida, não por coincidência, tecnicamente o dinheiro que possuímos em nosso bolso é uma dívida do Banco Central.
A emissão de moeda sem lastro não se restringe apenas aos governos nacionais, esta é uma prática também dos bancos comerciais, que podem criar moeda a partir da emissão de crédito, cuja contrapartida é o próprio endividamento de quem o adquire (crédito). Este arranjo é conhecido como sistema de reservas fracionárias.
Graças ao sistema de reservas fracionárias, os bancos podem emprestar uma quantidade de recursos muito superior àquela disponível em seus cofres ou ao seu patrimônio. Para tanto, basta apertar uma tecla no computador. Sim, nunca foi tão fácil criar dinheiro e toda esta facilidade favoreceu o desenvolvimento do sistema de crédito, cujo aprimoramento culminou nas operações de securitização que, em essência, consiste em transformar qualquer promessa de fluxo de caixa futuro num título de investimento com retornos coerentes com os riscos assumidos.
Não à toa esta é a maior aliada de negócios especulativos, descapitalizados e de duvidosa viabilidade econômica. Em essência, esta é a dinâmica da “nova economia” nascida em 1974, conhecida como economia monetária de produção, em que instrumentos financeiros têm o poder de compensar, pelo menos por um breve período de tempo, a falta de viabilidade econômica de um empreendimento, de maneira que, quando a verdade vem à tona, pode ser tarde demais para aqueles que acreditavam no negócio.
A atual safra de fraudes, que não é a primeira e nem será a última, é apenas um claro sinal que, mais uma vez, uma significativa quantidade de dinheiro mudou de mãos e isso somente foi possível graças a combinação de uma economia instável e um sistema de crédito muito desenvolvido. Contudo, a fim de evitar que o dinheiro saia do seu bolso para o bolso de algum show man de plantão, é necessário atentar para os fundamentos econômicos.
Na economia monetária de produção, negócios economicamente inviáveis podem ser tomados como exemplos de sucesso, graças ao uso da financeirização, de maneira que, atentar e ou buscar compreender os fundamentos econômicos, de qualquer proposta ou modelo de negócio, é o único guia capaz de nos proteger das narrativas de vigarice, e isso vale para empresas e governos.
(*) – Doutor, Mestre e Bacharel em economia com especializações em Economia de Empresas, Engenharia Financeira e Macrocenários, atua como estrategista da Volk Capital, empresa por ele fundada (www.facebook.com/capitalvolks/).