Poder de negociação
Heródoto Barbeiro (*)
O conflito era esperado por diplomatas e governos de todo o mundo. Acima de tudo havia uma grave diferença cultural entre os chineses e os ocidentais.
O modo de gerir a política do Império do Meio, como a China era conhecida no passado, vinha dos tempos do velho, bom e sábio Kong Fu. O da filosofia e não o de Hollywood. Confúcio ensinou a seus discípulos que na diplomacia não se pode perder a “face”, ou seja que as palavras e promessas deveriam ser pensadas e meditadas antes de ser transmitidas para o adversário. Ainda mais quando ele era nada mais, nada menos que a maior potência econômica e militar da Terra.
Uma vez assinado um tratado, ou divulgada uma informação, não se poderia mais voltar atrás, sob a punição de se perder “face”. Em outras palavras, perder força de negociação e cair no descrédito no conjunto das nações. Portanto, o departamento de política externa era um dos mais sensíveis e por isso o governo o acompanhava de perto. Qualquer deslize e as negociações entre polidos diplomatas poderiam ser substituídas pela guerra. Algum guru já disse que que quando as negociações se esgotam falam os fuzis.
O comércio era a principal atividade para um mundo cada vez mais conhecido e explorado. As rotas marítimas baratearam o frete e toneladas de produtos cruzavam os mares e despejados nos portos do importadores. Os responsáveis pelas economias nacionais estavam sempre de olho no resultado da balança de comércio e se o país estava acumulando riquezas ou vendo-as serem drenadas para as nações capitalistas avançadas.
Os investidores, de todo o tamanho, por sua vez não desgrudavam os olhos dos resultados das bolsas de valores que avaliavam quanto poderiam lucrar com os dividendos das empresas. Ou perder. Por isso era considerado inadmissível que a China impusesse um aumento das tarifas sobre importados e obstáculos para a utilização dos portos no seu litoral. Livre comércio era a bandeira agitada no mundo.
Contudo se ela era desfraldada para a conquista dos mercados chineses, a recíproca não era verdadeira. A bandeira do livre comércio era substituída pelo protecionismo, tão antigo quanto os primórdios do capitalismo ainda na época das navegações de portugueses e espanhóis. Mas agora o mundo era diferente e a economia também.
A pressão econômica sobre a China parecia não arrefecer. Aumentou com a presença dos interesses imperialistas americanos. O conjunto de nações ocidentais encontrou uma forma eficaz de reverter a balança comercial favorável aos chineses. Os capitalistas ocidentais criaram uma rede asiática de produção de drogas e a destinaram aos portos da China. O comércio do ópio atingiu proporções assustadoras uma vez que é uma droga poderosa e geradora de dependência química.
Os portos estavam abarrotados de caixas de ópio e os comerciantes distribuíam pequenos cachimbos para que todos pudessem experimentar a sensação de felicidade proporcionada pelo ópio. Às autoridades locais não restou outra alternativa se não proibir o consumo da droga, atacar os depósitos e jogar no mar todo o ópio confiscado. A represália veio imediatamente. Primeiro com as incursões da moderna e poderosa marinha britânica, depois com o apoio de outras potências ocidentais como a França e os Estados Unidos.
Queriam a liberdade para que cada um decidisse se deveria ou não usar o ópio e livre comércio com portos abertos aos navios mercantes do ocidente. A China perdeu a guerra e a “face”. A dinastia corrupta, elitista, violenta contra os que não se submetiam a sua vontade, foi obrigada a assinar uma série de tratados. Em nome da cultura ocidental, humanista, religiosa, progressista o tráfico se transformou em um comércio regular, legal e em pelo menos 50 portos chineses as pessoas tinham a liberade de receber a droga.
Tudo sob a tutela dos navios de guerra ocidentais.
(*) – É editor-chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma.