O médium e o monstro
* J. B. Oliveira
É fácil concluir a quem me refiro: a João Teixeira de Freitas, conhecido como João de Deus.
Não vou acusá-lo. Não tenho incumbência, capacidade nem apetência para tal. Disso cuidará o Ministério Público.
Também não vou defendê-lo. Ele está muito bem amparado pela capacidade jurídica de um dos mais renomados advogados do país, meu colega e amigo Zacarias Toron. Menos ainda vou julgá-lo. Um magistrado togado se incumbirá de desenvolver essa delicada e complexa função…
Vou apenas tecer singelas considerações sobre as assombrosas notícias que o envolvem e, intimamente, indagar: como e por que isso aconteceu?
Tenho o cuidado de fazer isso bem depois da forte efervescência midiática provocada pelas primeiras notícias do escândalo. Cumpro, assim, o que recomendava ao tempo em que presidi a Associação Paulista de Imprensa (2006-2009): ao cobrir ou narrar algum acontecimento, não se deve ter a preocupação do “furo jornalístico”, de ser o primeiro! Esse açodamento pode prejudicar a verdade. Mais aconselhável é pesquisar as fontes, dando algum tempo para decantação das informações. Afinal, como diz velho ditado, “O tempo é senhor da razão”!
O caso teve início em 7 de dezembro último, quando 10 mulheres acusaram João de Deus, em um programa de televisão. No dia seguinte surgem mais três e, na sequência, centenas de outras. Estava aberta a Caixa de Pandora, aquela que – segundo a mitologia grega – continha todos os males do mundo! Apenas 7 dias depois do malfadado começo, as denúncias de abuso sexual contra esse homem de 77 anos, conhecido nacional e internacionalmente como um grande médium de cura – que já atendera Lula, Dilma, Xuxa, Naomi Campbell e Paul Simon – chega a cinco centenas: 500 queixas! Uma delas, de sua própria filha Dalva!
A tese inocência, frente a esse somatório de casos, se inviabiliza. A indagação é: como e por que isso teria acontecido com um homem até dias atrás tão respeitado?
Segundo relatos, já havia casos anteriores. A delegada Marcela Orçai, de Goiás, fala de dois processos de abuso sexual em 2016 e outro neste ano. Também em 2010 foi aberta uma ação em Abadiânia, em que ele foi considerado inocente porque a vítima sofria de síndrome de pânico, o que comprometia sua denúncia. Se assim foi, cumpre citar as palavras de Salomão:
“O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz será quebrantado de repente sem que haja cura.” (Provérbios 29:1).
O titulo que dei à crônica remete à celebre obra de 1886, de Robert Louis Stevenson “O médico e o monstro”, que apresentava o caso de dupla personalidade do Dr. Jekill e Mr. Hide.
Por sua vez, o conto se baseou em um personagem real de Edimburgo, Escócia, chamado William Brodie ,que de dia, era um respeitável marceneiro e, à noite, ladrão das casas da cidade…
Valeria lembrar ainda a dolorosa expressão de São Paulo: “Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7: 22-24).
*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.
É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.
www.jboliveira.com.br – [email protected]