O fim da Rádio Estadão é só um pedaço da crise instalada na mídia
O mundo digital estálevando o público a optar pelas novas mídias surgidas a partir da internet deixando para trás meios de comunicação até então consagrados. Um exemplo é a decisão do Grupo Estado que optou por encerrar seus investimentos na Rádio Estadão que ocupava a frequência FM 92,9.Em comunicado oficial, a empresa alegaque a transferência de gestão da emissora para a Comunidade Cristã Paz e Amor permitirá ao Grupo ampliar sua participação no segmento das mídias digitais
Após a transferência, sacramentada em 18 de março último, a emissora passou a ter outro nome: Rádio Feliz. Os profissionais que trabalhavam para a Rádio Estadão foram transferidos para o prefixo 107,3 que ainda é ocupado pela Rádio Eldorado FM, mas fontes seguras dão conta que em dezembro também este espaço deixará de existir, em razão do término do contrato estabelecido com a Fundação Brasil 2000, dona da frequência. Assim que isso acontecer, o Grupo Estado irá desvincular-se totalmente do meio Rádio.
Em nota distribuída à imprensa foi explicado que a intenção é focar investimentos em uma estratégia multiplataforma abrigando jornal, portal, mobile, redes sociais, e-commerce e eventos. “O Grupo Estado produz mais de mil notícias diárias com a AE Broadcast, detém a plataforma Media Lab Estadão e está investindo em novas empresas digitais como o Moving e a Genial Seguros”.Conclui-se assim, ao término da mensagem, que um ciclo dentro das empresas comandadas pela família Mesquita está se encerrando para se estabelecer outra modalidade de negócios, nada mais natural do que isso dentro do universo empresarial. A decisão não é recente e faz parte de um processo iniciado bem antes.
Desde o surgimento dos formatos digitais,os sistemas analógicos de irradiação por AM e FMforam se tornando obsoletos, primordialmente em razão da qualidade de som factível a interferências. Beneficiadas por uma melhor qualidade de recepção, cada vez mais pessoas estão buscando a informação através das mídias digitais, diminuindo assim a quantidade de ouvintes nas mídias tradicionais resultando na queda de faturamento das emissoras. A Rádio Eldorado AM, a primogênita do Grupo Estado, foi a primeira, entre as que transmitem notícias, a sofrer as consequências, encerrando suas atividades no ano de 2015.
Fundada em 4 de janeiro de 1958, a Rádio Eldorado AM que operava em 700 kHz, levou ao ar, em suas primeiras décadas de existência,uma programação diferenciada das demais emissoras. No ar a impressão que se tinha era que todosos locutores pareciam ser donos de uma mesma voz. Ao se dirigir aos ouvintes buscavam falar macio, de modo sereno, calmo e agradável. Expressavam tranquilidade nas palavras, fosse qual fosse o acontecimento que movimentasse a opinião pública, na cidade ou no País. Durante a programação se ouvia música popular brasileira, música clássica e internacional da melhor qualidade, além das notícias do Brasil e do mundo trazidas pelo noticiário da Agência Estado. Nomes surgidos na emissora se tornaram depois conhecidos do grande público. Como exemplo, podemos citar Boris Casoy e Willian Bonner, hoje apresentadores de telejornais.Os dois iniciaram suas trajetórias na Eldorado em épocas e fases diferentes. Locutores bem conhecidos no meio publicitário também passaram lá, entre os que ainda estão em atividade são lembrados nomes como Mário Lima, Wellington de Oliveira, Antônio Casale, José Augusto Arnelas, Rose de Oliveira, Paula Moraes, Edinho Moreno e Nivaldo Prieto, entre outros.
Em 1982, a Rádio Eldorado AM iniciou uma mudança em seus rumos, deixando de lado a programação musical que passou a ser assunto da coirmã em FM e até usou por uns tempos, até que todos se acostumassem com a mudança, a sigla Nova Eldorado AM. Os tradicionais locutoresforam dispensados e se deu prioridade exclusiva ao jornalismo.
Menor em número de profissionais que as concorrentes, a Eldorado ainda assim,influenciou a programação das demais emissoras ao introduzirserviços para o ouvinte que antes não existiam, como o Repórter Aéreo e o Ouvinte Repórter, entre outros. Houve tambémna história da Eldorado, uma campanha pela despoluição do Rio Tietê que obteve junto à sociedade mais de um milhão e meio de assinaturas. Tal resultado obtido, graças a um abaixo-assinado, em tempos onde ainda não havia a internet, sensibilizou o governo do Estado que em 1992, lançou o Projeto Tietê coordenado pela Sabesp e ainda em andamento.
Resultados como estes, levaram a Rádio Eldoradoa conquistar mais ouvintes e diversos prêmios. Houve ainda, tempos depois,uma parceria esportiva, iniciada em 2007, com a ESPN para transmissão de jogos de futebol, tradição que a emissora não tinha. Nada, entretanto, conseguiu impedir que ela fosse vencida pela evolução da tecnologia. Em 2011, a emissora em 700 kHz, ainda mudou de nome, passando a se chamar tambémRádio Estadão,juntamente com a FM 92,9mHz, numa tentativa de sobrevivência. Não houve jeito, a emissora em AM ainda opera, mas foi adquiridapelo missionário R.R.Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, que deu a elanova roupagem e a rebatizoucom o nome “Nossa Rádio”.
A atual crise econômica que se estabelece na mídia, não atingiu apenas as emissoras do Grupo Estado, mas o setor radiofônico como um todo. Preocupado com o futuro dos meios de comunicação, o governo federal deu início,em 2013,a um processo de migração das emissoras em AM para FM. A decisão, entretanto, não atendeu por inteiro os interesses dos donos das emissoras localizadas nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde o dial já está completo. Pensou-se na ampliação da banda de recepção em FM, mas para isso seriam necessárias alterações nos aparelhos receptores tornando o processo mais caro e demorado. Outra dificuldade está no custo da transferência. Para se fazer a migração é preciso antes pagar uma taxa e fazer os investimentos de modernização em infraestrutura de transmissão – estes valores podem variar de R$ 30 mil a R$ 4,5 milhões, dependendo da potência, da população atingida e dos indicadores econômicos e sociais do município.
Outro impedimento de médio prazo é que o sistema em FM, também analógico,está assim como em AM, praticamente superado. Nos países desenvolvidos o sistema digital mais conhecido é o DAB, utilizadoespecialmente na Europa. Em Portugal todas as emissoras em AM já migraram para o sistema DAB e na Noruega as operações das FMs é que foram desligadas em 2016, pelo fato de todas as emissoras daquele país já terem todas migrado para o processo DAB digital.
No Brasil esse procedimento ainda está longe de acontecer, pois além de impedimentos técnicos, praticamente todas as emissoras enfrentam dificuldades financeiras, algumas cortando programas, outrasdiminuindo o quadro de funcionários. Recentemente, a Rádio Bradesco Esportes FM, emissora patrocinada por um único anunciante e administrada em São Paulo, pelo Grupo Bandeirantes encerrou suas atividades. O prefixo 94,1 FM segue no ar tocando música, a espera de novos projetos e patrocinadores.
A explicação para isso também está nas tendências do mercadoque demonstram ocrescimento cada vez maior das novasmídias e estas levam para si os anunciantes que antes investiam nas emissoras de Rádio. A salvaçãopara os empresários sérios do setor, diante desta situação, acaba sendo mesmo a busca de outras plataformas capazes de levar o ouvinte a se interessar poruma programação radiofônica acrescida, por exemplo, deimagens ao vivo veiculadas em canais da internet como o Youtube e pelos aplicativos disponíveis para Android, Smartphones e Tablets. Essa é a possibilidade de mercado para a sobrevivência do Rádio e a que se mostra mais viável, mas como no mundo atual as mudanças acontecem com uma agilidade incrível, quase todos ainda ficam temerosos na hora de aplicar em algo novo, porque ninguém quer ser surpreendido e levar para si um prejuízo ainda maior.
Que o Rádio é útil, especialmente para quem está no trânsito, dentro do carro, podendo ouvir música ou notícias, isto é indiscutível. O Rádio para muitos ainda é o grande companheiro das manhãs, por trazer as novidades do dia que está começando. Também participa das madrugadas, conversando com os insones e os solitários e permanece amigo íntimo dos deficientes visuais que, através dele, conseguem enxergar pela forma da imaginação os fatos do cotidiano e das cidades.
Outra especialidade é a emoção e não há exemplo melhor para isso do que a narração de uma partida de futebol transmitida pelo Rádio. A importância deste meio de comunicação é notória, mas já se percebe que somente falar aos microfonescom criatividadenão basta, é preciso mais.O questionamento entre os profissionais de mídia é agora saber quais serão as alternativas que o Rádio terá para sobreviver e este não é um assunto só do Brasil, mas do mundo todo.
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).