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“Novos Cangaceiros” agem no interior do Nordeste como nos tempos de Virgulino Ferreira, o “Lampião”

em Colunistas, Geraldo Nunes
sexta-feira, 03 de fevereiro de 2017
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“Novos Cangaceiros” agem no interior do Nordeste como nos tempos de Virgulino Ferreira, o “Lampião”

Ao visitar o interior da Bahia neste mês de janeiro, nos deparamos com o medo dos moradores em relação a um grupo que vem assaltando e atemorizando a população. Homens fortemente armados, agem nos pequenos municípios roubando bancos, casas lotéricas, prédios públicos e agências dos correios, inclusive fazendo reféns. O temor ao crime organizado, tão frequente nas grandes cidades atinge agora também o sertão nordestino

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Encontramos na internet informações que o bando vem agindo há cerca de dois anos, sendo admitida a existência de uma quadrilha pelas autoridades, a partir da realização da 35ª Reunião do Colégio de Secretários de Segurança Pública do Nordeste, quando formas de combate a essa quadrilha foram discutidas já havendo a certeza da existência de ramificações em outros estados além da Bahia. A imprensa local vem chamando esses assaltantes de “Novos Cangaceiros”, pelo fato deles atuarem de um modo que faz lembrar o antigo bando comandado por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

Em Brotas de Macaúbas, na região da Chapada Diamantina, a 590 km de Salvador, homens fortemente armados invadiram, em junho de 2016, este pequeno município de apenas 14 mil habitantes. Homens armados assaltaram a agência do Banco do Brasil de onde levaram cerca de R$ 200 mil. Depois fizeram comerciantes e um policial como reféns. Não satisfeitos, cortaram as linhas telefônicas da cidade, impedindo o apoio de reforço policial, deixando a população em pânico.

Antes disso, em Amargosa, também uma pequena cidade no Recôncavo Baiano, já haviam sido registrados atos de terror promovidos por cerca de 20 homens armados. Durante uma festa junina, os assaltantes chegaram atirando para o alto. Em seguida os caixas eletrônicos do BB e da Caixa dessa cidade de 40 mil habitantes, foram explodidos e todo o dinheiro retirado. Os assaltantes, estavam encapuzados, armados com fuzis e fugiram em dois veículos.

Outro caso ainda, verificado no segundo semestre de 2015, em Umburanas, cidade de 17 mil habitantes, os “Novos Cangaceiros” festejaram a fuga dando mais de 50 tiros para o alto, aterrorizando os moradores. Em menos de uma hora nesta cidade, três lojas foram assaltadas, além de uma agência bancária, uma casa lotérica e dois prédios públicos. Na época a Secretaria de Segurança Pública da Bahia ainda não acreditava na existência efetiva de uma quadrilha, mas com a soma dos fatos e o modo de atuação se concluiu pela necessidade de uma ação de combate urgente.

noticia 5629 temsproarioHouve o reforço de armas e viaturas para um grupo especial da polícia baiana que já está trabalhando em apoio às unidades policiais dos municípios. Nas viaturas aparece a inscrição “Cerrado”, também conhecido como Comando de Policiamento Especializado – CPE. São cerca de 3 mil policiais circulando por estradas do interior da Bahia. De modo ostensivo, abordam veículos e pessoas suspeitas. A ação não chega a ser parecida com as “Volantes”, organizadas na época em que o objetivo era prender ou matar o bando de Lampião, como aquele que existiu na década de 1930, mas se não houver uma solução, as ações policiais poderão também se tornar mais violentas.

Virgulino Ferreira da Silva, ganhou o apelido de “Lampião” por ser rápido no gatilho e atirar seguidamente, iluminando a noite com seus tiros. Entre os cangaceiros se fez respeitar pela ousadia e pelo ódio que despertava nos inimigos. Chamado pelo bando de Capitão Virgulino, teve sua história iniciada em 1898, ano em que nasceu no município de Serra Talhada, no interior de Pernambuco. Era alfabetizado e usava óculos para leitura, características bastante incomuns para a região sertaneja e pobre onde ele morava, embora fosse seu pai proprietário de terras.

Entrou para o cangaço em 1919 e durante quase vinte anos viajou a pé e não a cavalo com seu grupo pelo interior do Nordeste. Era chamado de cangaceiro aquele que se vestia em trajes de couro, com chapéus e sandálias, característicos de pessoas humildes e pobres. Carregavam consigo facas longas e estreitas, conhecidas como peixeiras que usavam para cortar os arbustos com espinhos típicos da vegetação caatinga. Cangaceiro era também uma expressão pejorativa para a pessoa do meio rural que não se adaptava ao estilo de vida urbana.

roubo-a-banco-no-mt temsproarioComo naquele tempo não havia contrabando de armas, só utilizavam armas de fogo quando as conseguiam roubar da polícia ou dos jagunços pagos para proteger as propriedades. “Lampião” e seu bando atacou pequenas fazendas e cidades em sete estados nordestinos, além de roubar o gado e praticar sequestros, assassinatos, torturas, mutilações, estupros e saques. Sua namorada, Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, juntou-se ao bando em 1930 e embora tenha também participado de muitos assaltos ajudou, assim como as demais mulheres do grupo, a diminuir um pouco a violência dos cangaceiros, o que deu a eles o aspecto romântico retratado em alguns livros e filmes, embora fossem de fato criminosos.

As “Volantes” eram constituídas por soldados originários de todos os estados da federação brasileira com a finalidade exclusiva de procurar e matar cangaceiros. Estes, por sua vez, se referiam aos perseguidores como “macacos”, por causa de seus uniformes marrons. Em 27 de julho de 1938, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por “Lampião” como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. A volante chegou tão silenciosamente que nem os cães perceberam.
Por volta das cinco da manhã quando alguns cangaceiros já levantavam aconteceu o ataque. Dos trinta e quatro integrantes, onze morreram ali mesmo. Virgulino Ferreira foi um dos primeiros a morrer, logo em seguida, Maria Bonita. Alguns cangaceiros conseguiram escapar. Bastante eufóricos com a vitória sobre o inimigo, os policiais cortaram as cabeças dos que haviam sido mortos as expondo para uma foto repugnante que, entretanto, entrou para a história.

Agora, em pleno século XXI, “Novos Cangaceiros”, estão agindo. Foram registradas no mês de janeiro de 2017, ações de enfrentamento entre policiais e assaltantes na região próxima ao município de Bom Jesus da Lapa, um lugar singelo às margens do Rio São Francisco, que atrai romeiros de várias partes do país, para rezar aos pés de uma imagem colocada no interior de uma gruta onde missas ao ar livre acontecem todos os finais de semana e feriados religiosos. Bandidos e policiais andam morrendo em entreveros quase diários. Que o Bom Jesus proteja o povo do Nordeste, mais uma vez a mercê dos ladrões e da violência.

(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).