Após dezessete anos de pesquisas o jornalista Thiago Uberreich, da Rádio Jovem Pan, montou um acervo com as narrações de todos os jogos do Brasil na Copa do Mundo de 1950 praticamente na íntegra
As transmissões são da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, nas vozes de Antônio Cordeiro e Jorge Curi. Este conjunto de gravações já está à disposição do público sendo por si só um marco em termos de pesquisa dos temas que dizem respeito à memória esportiva de nosso país, porque se acreditava que a íntegra dos jogos já estivesse perdida.
Após concluir o levantamento Thiago fez questão de doar uma cópia digital para o Museu do Futebol que funciona nas dependências do estádio do Pacaembu, e com isso facilitar o acesso de interessados em estudar com detalhes a história do futebol ou de analisar o desempenho daquela seleção que disputou o primeiro mundial realizado no Brasil. A Copa do Mundo de 1950 foi a quarta edição dos mundiais coordenados pela Fifa – Federação Internacional de Futebol Association, tendo sido disputada entre os dias 24 de junho e 16 de julho por treze seleções com as partidas acontecendo nas cidades de Curitiba, Porto Alegre, Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Alguns dos estádios que abrigaram os jogos já estavam prontos na época, outros foram construídos para aquele acontecimento como é o caso do Maracanã que durante anos continuou sendo o maior estádio do mundo, mas que ficou pronto somente uma semana antes do início dos jogos. De lembrança para os brasileiros ficou a derrota na final diante dos uruguaios, ainda considerada uma das maiores decepções de nossa história esportiva.
Mas se compararmos o desempenho do time de 50 com a seleção que disputou o mundial de 2014, também realizado em terras brasileiras, chegaremos à conclusão que apesar da decepção, perder por 2 a 1 em um jogo decisivo é algo que pode ser encarado como um resultado normal, se comparado ao massacre que ocorreu em 2014, os 7 a 1 diante da Alemanha, na semifinal, seguido de outra goleada por 3×0 diante da Holanda na disputa pelo terceiro lugar, ou seja, o Brasil tomou 10 gols em dois jogos.
A seleção brasileira de 2014 foi uma temeridade em todos os jogos e a de 1950 fez uma campanha magistral até a partida que decidiria o título. Os jogadores derrotados na final de 1950 carregaram o estigma de covardes, azarados e outros pejorativos pelo resto da vida enquanto que os perdedores de 2014 seguem sua vida normalmente, jogando por seus clubes ou na própria seleção e quase sem nenhuma cobrança.
Os tempos são outros, claro, mas em 1950, apesar do fiasco, ao que tudo indica, havia mais brios e aqueles jogadores sentiam orgulho de vestir a camisa do Brasil, tanto que continuaram sentindo vergonha, evitando falar do vexame nas entrevistas, mesmo anos depois do lamentável fracasso. Vale ressaltar, a seleção brasileira de 1950 desenvolveu durante a competição, uma excelente campanha com o apoio total da torcida até o fatídico “maracanazo”. Foram cinco brilhantes jornadas com vitórias por goleada sobre o México (4×0), Suécia (7×1) e Espanha (6×1) fazendo do atacante Ademir Queixada o artilheiro da copa com nove gols.
“Meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo pela PUC, em 1999, foi um documentário sobre a Copa de 1950”, explica Thiago Uberreich, 39 anos, que nunca conseguiu explicar o motivo dessa obsessão em colecionar as narrações pelo rádio, imagens e todo o tipo de assunto relativo ao primeiro mundial disputado no Brasil. “Quando somos crianças, uma das melhores sensações é a de completar um álbum de figurinhas para depois mostrar aos amiguinhos que todas as páginas estão preenchidas e esta é a sensação que estou tendo agora”, avalia o jornalista após a difícil tarefa.
Ele conta que também buscou imagens, na maioria muito precárias e foram anos batendo na porta de museus, cinematecas e conversando com colecionadores particulares. “Os órgãos públicos sempre se mostraram burocráticos, querendo cobrar valores exorbitantes pelo pouco que possuem do mundial de 50 e aqui vale uma crítica à Cinemateca Brasileira que parece fazer questão de dificultar o trabalho dos pesquisadores”, desabafa o jornalista da Jovem Pan, relatando que também teve problemas para encontrar os áudios dos jogos da seleção.
“Na época da faculdade, a Collector’s Editora, do Rio de Janeiro, vendia a íntegra da partida final entre Brasil e Uruguai, transmitida pela Rádio Nacional, mas dos outros cinco jogos existiam apenas trechos e poucos gols e com uma qualidade de som muito ruim”, informa. Em 2015 ele obteve a gravação de mais dois jogos da Seleção: 6 a 1 em cima da Espanha e 2 a 0 diante da Iugoslávia, também pela Rádio Nacional. Porém faltavam outras três partidas para completar o acervo que acabou localizando com um colecionador e agora tudo foi definitivamente concluído em termos de áudio e os seis jogos do Brasil na Copa de 1950 já podem ser ouvidos praticamente na íntegra. “Em alguns momentos as gravações perdem um pouco da qualidade, mas não se perde o fio da meada”, complementa.
O jornalista Thiago Uberreich está na Rádio Jovem Pan desde junho de 2005. Atualmente ele chega na emissora todos os dias às 5h45 para apresentar o Jornal da Manhã, um dos mais tradicionais noticiosos do rádio paulista com a presença de comentaristas como Joseval Peixoto, Marco Antônio Villa, Denise Campos de Toledo, além de uma grande equipe de repórteres, redatores, locutores e técnicos de som. Depois de deixar o estúdio, às 10 horas, Thiago segue suas atividades na redação da emissora fazendo edições, entrevistas e preparando assuntos que seguirão na programação.
Ainda assim encontrou tempo para telefonar a museus e colecionadores até localizar o que faltava. “A Seleção perdeu a Copa 50 de forma fatídica, mas não podemos desprezar aquela campanha, pois o país viveu momentos inesquecíveis e marcantes naqueles meses de junho e julho, apesar do desfecho”, completa o jornalista agradecendo ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro que sempre colaborou com ele nas pesquisas facilitando a liberação gratuita dos áudios, visto que não haveria nenhum sentido se as gravações não fossem compartilhadas também com os ouvintes, sem burocracia e nenhum custo.
Os seis jogos, cujas gravações já estão no Museu do Futebol também podem ser acessadas pelo público no site da Jovem Pan. Para acesso mais rápido basta copiar o endereço: (http://jovempan.uol.com.br/esportes/futebol/selecao-brasileira/copa-de-1950-como-voce-nunca-ouviu.html).
Ficha técnica dos jogos
Brasil 4×0 México – 24 de junho/Maracanã
Árbitro: George Reader (Inglaterra)
Gols: Ademir 32 do 1º tempo; Jair 11, Baltazar 17, Ademir 36 do 2º.
BRASIL: Barbosa; Augusto, Juvenal; Eli, Danilo, Bigode; Maneca, Ademir, Baltazar, Jair, Friaça.
MÉXICO: Carbajal; Zetter, Montemayor; Ruiz, Uchoa, Roca; Septien, Ortiz, Casarin, Perez, Velasquez.
Brasil 2×2 Suíça – 28 de junho/Pacaembu
Árbitro: Ramón Azón (Espanha)
Gols: Alfredo II 2, Fatton 16, Baltazar 31 do 1º tempo; Fatton 43 do 2º.
BRASIL: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Rui, Noronha; Alfredo II, Maneca, Baltazar, Ademir, Friaça.
SUÍÇA: Stuber; Neury, Bocquet; Lusenti, Egginemann, Quinche; Tamini, Bickel, Friedlander, Bader, Fatton.
Brasil 2×0 Iugoslávia – 01 de julho/Maracanã
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Mervyn Griffiths (País de Gales)
Gols: Ademir 3 do 1º tempo; Zizinho 24 do 2º.
BRASIL: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Maneca, Zizinho, Ademir, Jair, Chico.
IUGOSLÁVIA: Mrkusic; Horvath, Stankovic; Tchaikowsky I, Jovanovic, Djajic; Vukas, Mitic, Tomasevic, Bobek, Tchaikowsky II.
Brasil 7×1 Suécia – 9 de julho/Maracanã
Árbitro: Arthur Ellis (Inglaterra)
Gols: Ademir 6 e 36, Chico 39 do 1º tempo; Ademir 6 e 12, Andersson (pen.) 31, Maneca 40, Chico 43 do 2º.
BRASIL: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Maneca, Zizinho, Ademir, Jair, Chico.
SUÉCIA: Svensson; Samuelsson, Erik Nilsson; Andersson, Nordahl, Gaerd; Sundqvist, Palmer, Jepsson, Skoglund, Stellan Nilsson.
Brasil 6×1 Espanha – 13 de julho/Maracanã
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Reg Leafe (Inglaterra)
Gols: Ademir 13, Jair 18, Chico 31 do 1º tempo; Chico 11, Ademir 12, Zizinho 22, Igoa 26 do 2º.
BRASIL: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico.
ESPANHA: Ramallets; Alonso, Gonzalvo II; Gonzalvo III, Parra, Puchades; Basora, Igoa, Zarra, Panizo, Gainza.
Brasil 1×2 Uruguai – 16 de julho/Maracanã
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: George Reader (Inglaterra)
Gol: Friaça 2, Schiaffino 26, Ghiggia 36 do 2º tempo.
BRASIL: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico.
URUGUAI: Maspoli; Matias Gonzalez, Tejera; Gambetta, Obdulio Varela, Andrade; Ghiggia, Julio Perez, Miguez, Schiaffino, Moran.
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]” data-mce-href=”mailto:[email protected]“>[email protected])