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UM MAGNO EQUÍVOCO

em J. B. Oliveira
segunda-feira, 30 de maio de 2016

UM MAGNO EQUÍVOCO

Nascido em Maracani, Bahia, o senador Magno Pereira Malta fez toda sua vida política no estado do Espírito Santo. Começou elegendo-se vereador na cidade natal do rei Roberto Carlos, Cachoeiro do Itapemirim, em 1993. No ano seguinte, com 10.997 votos, tornou-se deputado estadual. Já no pleito de 1998, elegeu-se deputado federal, recebendo 54.754 votos. Exerceu, durante essa legislatura, a presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI – do Narcotráfico. Em 2003 foi guindado ao Senado da República, por polpudos 867.434 votos. Cumpridos os oito anos desse mandato, candidatou-se à reeleição, em 2010. A surpreendente votação que recebeu tornou-o o segundo colocado nas eleições para o Senado. No total, 1.285.177 votantes sufragaram seu nome! Considerando que – de acordo com o IBGE – a população do estado era, naquele ano, de 3.514.952 pessoas, coube-lhe a preferência de nada menos que 36,56% dos habitantes e não apenas dos eleitores! Com isso, deixou longe a experiente Rita Camata – candidata a vice-presidente na chapa de José Serra –, e que contabilizou apenas 375.510 votos.

Por tudo isso, percebe-se que se trata de um político de alta performance ou – como se dizia nos velhos tempos – de alto coturno. A par de sua atividade política, é também pastor e cantor evangélico, fazendo parte da banda gospel “Tempero do Mundo”.

Suas manifestações no plenário do Senado são sempre calorosas e empolgadas. No discurso em que se posicionou a favor do impeachment da presidente Dilma, e designado como “histórico” por uns e “avassalador” (www.facebook.com/evangelicosdailha/videos/4878272314218550) por outros comentaristas, ele afirma e repete duas vezes: “A Bíblia diz: ‘Tudo quanto quereis que os outros vos façam, façai vós também”! É uma referência a uma parte do Sermão do Monte, de Jesus. Está contida no Evangelho de Mateus, capítulo 7, versículo 12.

O equívoco em que incidiu o nobre senador ocorreu na área da CONCORDÂNCIA VERBAL. E ele só teve esse tropeço – que em nada altera o valor do firme conteúdo de sua fala – porque deparou com DOIS inimigos traiçoeiros: a PESSOA e o MODO do verbo fazer.

Começando pela pessoa: ele usou a SEGUNDA PESSOA DO PLURAL, a mais complicada. Por isso é raramente utilizada. Para ilustrar, vamos aos verbos imaginar, transgredir e querer. Ficam assim: VÓS IMAGINARÍEIS; TRANSGREDIERÍES; QUERERÍEIS! Tanto isso é certo que, no tratamento respeitoso – em que se usam as formas VOSSA ALTEZA, VOSSA EXCELÊNCIA e VOSSA SENHORIA – embora o pronome pessoal esteja na segunda pessoa do plural, o verbo fica na terceira do singular: Vossa Alteza É nosso convidado; Vossa Excelência MERECE nosso respeito; Vossa Senhoria CHEGOU em boa hora…

Quanto ao MODO, nossa Gramática Portuguesa contempla três: o Indicativo, o Subjuntivo e o Imperativo. Poucas pessoas dominam este último, que é aplicado para se dar uma ordem ou fazer um pedido. Incialmente, ele só possuía duas pessoas: a segunda do singular e a segunda do plural. Isso porque, dentro das regras gramaticais ortodoxas, a primeira pessoa (EU ou NÓS) só pode falar com a segunda (TU ou VÓS) e não com a terceira (ELE ou ELES) que é a pessoa de quem se fala. Ora, como ninguém dá ordem a si mesmo, o imperativo se restringia à segunda pessoa! Ocorre, ainda, que o tal imperativo pode ser afirmativo ou negativo… e aí aumenta a complicação. O imperativo afirmativo sai da segunda pessoa do presente do indicativo, menos o “s” final. Por exemplo, da segunda pessoa do presente do indicativo do verbo amar: TU AMAS; VÓS AMAIS, surge o imperativo afirmativo: AMA TU; AMAI VÓS.

Por sua vez, o imperativo negativo corresponde puramente à flexão da segunda pessoa do subjuntivo. Como, no mesmo verbo amar, as formas são:  QUE TU AMES; QUE VÓS AMEIS, o  imperativo negativo será: NÃO AMES TU; NÃO AMEIS VÓS.

E aí chegamos à fala do nobre senador. Ele disse “Tudo quanto quereis que os outros vos FAÇAM, FAÇAI vós também”.

Ora, na expressão “que os outros FAÇAM” o verbo fazer não está no imperativo, e sim – como expressa um desejo, uma opção –, está no subjuntivo, e está correto. Entretanto, na expressão seguinte, está presente a ideia de ordem e, em consequência, o verbo vai para o IMPERATIVO AFIRMATIVO que, como visto acima, vem do presente do indicativo menos “s”: VÓS FAZEIS, logo, FAZEI VÓS. A expressão correta, tal como está no Evangelho, é “TUDO QUANTO QUEREIS QUE OS HOMENS VOS FAÇAM, FAZEI VÓS TAMBÉM”!

É possível que, pela proximidade, a flexão FAÇAM tenha contaminado a flexão seguinte, que seria FAZEI, criando a forma equivocada FAÇAI, que não existe no campo da gramática portuguesa.

Repita-se, porém, que o equívoco na mera forma não altera nem diminui o conteúdo!


J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.

É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras.

[email protected] – www.jboliveira.com.br