Heródoto Barbeiro (*)
O governo não confia no noticiário dos jornais. A maior parte deles está nas mãos de quem faz oposição ao atual presidente da República.
Por sua vez, o Poder Executivo acusa os jornalistas de apresentarem apenas narrativas, sem qualquer embasamento em fatos reais. Afinal, o país está
crescendo, as crianças cantando os hinos nacionais nas escolas, os sindicatos funcionando e o país abastecendo o mercado mundial de produtos primários.
Principalmente por causa da guerra que abala Europa e ameaça se espalhar como um rastilho de pólvora para outros continentes.
Ainda assim os jornais só publicam notícias desfavoráveis ao governo e constantemente o acusam de aparelhar a máquina pública com os favoritos do presidente e os indicados pelos poderes estaduais. Um grupo que assessora o Poder Executivo chega à conclusão de que está na hora de ter um instrumento eficaz contra a mídia nacional.
Para atingir os confins do Brasil é preciso usar a mídia eletrônica. Usar o rádio.
Uma plataforma que pode atingir os mais longínquos rincões do país, e levar a verdade até os mais humildes moradores. Sem intermediários. O programa pode
ser um misto de notícias favoráveis ao governo, música, literatura, peças de rádio-teatro, enfim, um instrumento de alcance direto.
Opta-se pelo rádio, não só porque é uma tecnologia disponível, mas também porque o receptor é barato e pode ser ligado nas casas, nos bares, nos
mercados e até mesmo instalado em praças nas pequenas cidades do interior.
Isso fica conhecido como serviço de alto-falantes. O presidente, dessa forma, pode se conectar diretamente com a população, sem qualquer intermediário,
seja jornais ou políticos locais.
O ponto central do programa exibido às 19h é o seu conteúdo. Vai ser gerado na capital do Brasil, onde se produz e edita o programa. É verdade que a iniciativa
não é originária daqui, mas uma adaptação do que já fazem alguns governantes, como os dos Estados Unidos, Alemanha, Itália, Japão e outros. Estes são rotulados
de Voz. A iniciativa é consolidar o nome como A Voz do Brasil.
A produção fica por conta do Departamento de Imprensa e Propaganda, que também tem a missão de censurar outros veículos e impedir a divulgação de notícias desfavoráveis. Caso não se obedeça ao DIP, este aciona a polícia do estado, liderada pelo temível Filinto Müller.
O ditador não tem uma voz empostada como os locutores contratados para A Voz do Brasil, mas é culto, fala corretamente e sabe o que dizer para conquistar o coração e mentes da população. Getúlio Vargas abre as transmissões com o popular “trabalhadores do Brasil!”. Mesmo o seu sotaque gaúcho é um sinal que as oligarquias paulista e mineira estão fora do poder.
O programa veio para ficar e há quem afirme que nem com a volta da redemocratização será possível retirá-lo do ar. Deputados federais, senadores, ministros da cortes supremas também se apaixonaram por ele. “Em Brasília, 19horas”.
(*) – É professor, jornalista do R7, Record News e Nova Brasil. Palestras e Midia Training (www.herodoto.com.br).