Heródoto Barbeiro (*)
Uma das armas para se conquistar a mídia é o direito de concessão dos canais de radiodifusão.
Os detentores do poder logo aprendem que eles são um elemento importante na política do toma cá, dá lá. As mídias eletrônicas se tornam instrumentos eficazes para a consolidação das elites políticas regionais, uma vez que grande parte da população se informa através dela.
A circulação de mídia impressa é maior nas grandes cidades, ainda assim, a diversidade de postura, pensamento e linha editorial é mínima. Sem dúvida é a televisão que constrói a agenda pública brasileira. Construir uma rede que alcance todo o Brasil, com a tecnologia atual, exige grandes investimentos e nem todos os empresários estão dispostos a bancar.
Há um risco enorme de capital. Mas há uma imensa oportunidade no dial para rádios nas tecnologias AM e principalmente FM, que exigem muito menos investimentos, tem som melhor, cobertura mais eficaz na região e equipamentos mais baratos. Enfim a barganha das concessões sempre existiu, mas nunca atingiu os patamares do governo atual.
A rigidez das regras para a renovação das concessões funciona como uma espada de Dâmocles sobre os proprietários que não tem acesso aos políticos e ao governo central. É outro instrumento poderoso de barganha no Congresso Nacional e pode mesmo ser vital para a aprovação dos projetos de interesse do presidente.
Em uma única canetada é possível fechar um canal de tevê ou de rádio e imediatamente abrir uma concorrência para que um aliado político assuma o lugar. Isso quer dizer uma programação mais soft em relação ao governo, pouquíssimas ou nenhuma crítica ao governo central e abrir amplos espaços na programação para a propaganda oficial.
É verdade que esta pode se tornar o sustentáculo econômico da empresa de radiodifusão. O início da expansão do rádio, na década de 1930, se dá sob o marco regulatório em que o estado concede à iniciativa privada a prestação deste serviço público. Daí para frente tudo é política e tentativa de domínio de parte da opinião pública.
Cadeias nacionais de rádio e tevê tiveram papel importante nos momentos críticos da democracia brasileira. Também vem do período da ditadura de Vargas a pungente Voz do Brasil. A comunicação oficial da presidência da república busca inspiração para montar uma rede nacional de rádio, onde o chefe do executivo possa falar durante 5 minutos com a população que acorda para trabalhar.
O modelo remonta ao período do presidente americano, pós crise de 1929, um programa noturno : Conversa ao Pé da Lareira. O democrata reúne a família para repetir à exaustão que a crise é passageira e que é preciso levantar a cabeça e prosseguir. Nasce no Brasil o Conversa ao Pé do Rádio. O presidente José Sarney, toda as sextas-feiras, às 6 horas da manhã anuncia : “bom dia brasileiros e brasileiras”.
A técnica é uma conversa ao pé do ouvido, com linguagem popular, irradiada desde o local onde estava o presidente, mesmo fora de Brasília. A comunicação é direta, sem intermediação dos jornalistas e com notícias propositadamente inéditas. Com isso todos são obrigados a ouvir e muitas vezes o que ele diz na sexta é manchete no jornal de sábado.
Com uma ferramenta tão importante, Sarney quer ficar 5 anos no poder e não 4 como manda a lei. Precisa de votos do Congresso. Para consegui-los busca apoio dos políticos que têm rádios e um dia vão ter que renovar a concessão e muitos outros que querem também um canal no dial. Graças a esse toma cá, dá lá Sarney ficou 5 anos no poder e foi substituído por Collor.
(*) – Jornalista, professor e comentarista da Record News, do Portal R7 e Nova Brasil FM (www.herodoto.com.br).