Heródoto Barbeiro (*)
Ninguém ousa dizer que o político foi flagrado com um monte de dinheiro nas nádegas.
Afinal em qualquer época, sob mesma temperatura e pressão, ele é poderoso, bem relacionado e pode revidar através de leis especialmente redigidas para proteger o andar de cima. Por isso notícias desairosas que contam as malandragens e assaltos ao cofre público são propagadas boca a boca. É mais seguro.
Não há prova material e uma vez pego com a boca na botija, recorre-se a uma instituição nacional que é a negação até o último suspiro. Atacar a elite dominante não está ao alcance do populacho espalhado pelas áreas rurais, recortadas em grandes latifúndios monocultores, e sem acesso a qualquer outro meio de comunicação.
Por isso, debates políticos estão confinados nas cidades, especialmente na capital do país, que concentra todo o poder. Não há como comprovar as notícias que circulam sobre os bastidores do governo e por isso o que resta é recorrer a um veículo de comunicação e aproveitar a liberdade de expressão garantida pela constituição do pais, que aboliu a censura prévia.
As melhores cabeças da nação ousam se organizar em torno de um jornal que aceita todo tipo de notícia. A elite intelectual considera que publicar é preciso, checar não é preciso. Sabem que as mentiras publicadas são uma forma de refrear a ânsia de deputados e senadores de controlar o Estado.
As publicações periódicas e contundentes tomam contorno de verdade. O jornal por sua vez é desacreditado pelo status quo e transformado apenas em um pasquim identificado como o humorismo e a falta de compromisso com os fatos. Ou seja não ameaça nem a reputação, nem o poder dos que controlam o governo. As fake news se tornam mais perigosas quando outros veículos de comunicação entendem ser verdade o que é publicado e replicam em outras cidades.
Uma coisa é usar a internet e outra uma plataforma de tinta e papel. A difusão via web deu uma nova dimensão para o compartilhamento de fake news com o apoio da imagem e áudio. Algorritimos e aplicativos corroboram a divulgação de notícias que parecem ser verdadeiras, mas não são. Os recursos da inteligência artificial potencializam a capacidade de enganar o receptor/compartilhador do que entende ser verdade.
Com uma plataforma de tinta e papel o alcance é limitado. É necessário juntar um grupo, fazer reuniões de pauta, registrar o que foi acertado em uma ata, e avaliar quanto se tem em caixa para publicar uma edição do jornal. Com o preço do papel, da gráfica, da distribuição mão a mão o grupo consegue bancar apenas duas edições semanais, as terças e sextas.
A Marmota Fluminense se auto elogia logo na primeira página com um poema “Nas vistas desta MARMOTA, Há de ter sempre o leitor, Com singeleza e verdade, Tudo o que houver de melhor”. As cabeças mais iluminadas do Império Brasileiro participam da Sociedade Petalógica. Ou Sociedade da Mentira. Ninguém pode reclamar que eles não avisam que o que publicam não tem verificação, checagem, nem responde a pergunta fatal contra uma fake news: Será que é verdade?
A Marmota é quase uma brincadeira com a participação, entre outros, do Machado de Assis, Quintino Bocaiuva, Eusébio de Queirós, Joaquim Manoel de Macedo e outros. Nessa época já se sabe que não existe almoço grátis, nem jornal, por isso a cândida Marmota Fluminense aceita assinaturas e vende os exemplares nas ruas do Rio de Janeiro, a capital do Brasil.
É preciso pagar para ler as petas e se deliciar com elas. Diabruras da Marmota.
(*) – É âncora do Jornal da Record News em multiplataforma.