Heródoto Barbeiro (*)
O líder está acostumado com a multidão.
Em todo lugar que se apresenta, grupos de apoiadores se aglomeram para participar de carreatas desde o aeroporto até o local do evento. Muitos se contentam com uma foto, um aperto de mão, ou quem sabe um abraço do líder. Afinal, ele promete, desde o início do mandato, arrumar a casa e melhorar a vida da população. Os políticos se aglomeram atrás da figura do presidente, se empurram, trocam cotoveladas e sorriem sem motivo algum.
Querem aparecer ao lado do líder na televisão e na cobertura do evento na mídia nacional. Os caciques políticos, chefes políticos regionais, estão atentos para o nível de popularidade do presidente, e ficarão ao lado dele enquanto isso render votos na próxima eleição e favores e verbas que têm origem no bolso da população, mas são acumuladas nos cofres de Brasília. Ninguém abre mão do dinheiro para obras não tão públicas, vez por outra, favorecendo os caciques locais.
A inflação não dá trégua. As promessas de ter o carrinho do supermercado cheio não se concretizam. Não basta popularidade, a população precisa sentir que pode comprar mais com o mesmo salário que recebe. Os técnicos do Ministério da Fazenda argumentam que a inflação no Brasil é sistêmica, isto é, vem de erros do passado que se acumularam.
Governo nenhum quer ser responsável por aplicar remédio amargo, uma vez que isso tem repercussões políticas imediatas. Há quem defenda que a saída é abater a inflação com um choque na economia, o uso de uma bala de prata capaz de prostrar o dragão inflacionário na tumba. Há inúmeros exemplos de reformas econômicas e financeiras no mundo, mas consolidadas em países com democracia consolidada, com Parlamento forte e boa base popular.
Não é o caso brasileiro. Inúmeras fórmulas foram tentadas em governos passados, e não funcionaram. Mas desta vez é diferente, o líder, em pessoa, assume a luta para acabar com a inflação.
O plano desagrada gregos e troianos. A decisão do governo em congelar todos os saldos bancários, amarra as mãos do empresariado e dos pequenos depositantes da poupança. A imagem do líder se desgasta rapidamente por causa das críticas da imprensa, da oposição e dos políticos que farejam que o vento eleitoral está mudando.
As denúncias de corrupção no governo se amontoam – o caso mais grave é a acusação de que o “caixa dois” da campanha presidencial teria abiscoitado um bilhão e que esse dinheiro teria sido transferido para o exterior. O líder, bem falante, esportista, demagogo, capaz de proezas como lutar judô e voar em supersônico, vê a popularidade despencar. O Congresso abre um processo de cassação do mandato de Fernando Collor de Mello, eleito sob o slogan de ”caçador de marajás”. Brigas familiares desgastam ainda mais o líder.
Os caras-pintadas, especialmente jovens, fazem protestos nas ruas das grandes cidades. Collor faz um apelo, atendido por poucos, “não me deixem só”. Na iminência de ser cassado e ter os direitos políticos suspensos, ele renuncia à presidência da República. A bala de prata atingiu o alvo errado: acertou no líder.
(*) É jornalista do Record News, R7 e Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo. Apresentou o Roda Viva da TV Cultura e o Jornal da CBN. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Acompanhe-o por seu canal no YouTube “Por dentro da Máquina”, clicando no link https://www.youtube.com/channel/UCAhPaippPycI3E1ZRdLc4sg.