Heródoto Barbeiro (*)
Ocupar um lugar no Senado, ou na Câmara Alta, como preferem alguns, é um desejo de todo segmento da elite brasileira.
Afinal, é para isso que o Poder Legislativo é bicameral. Os assuntos mais delicados e que podem prejudicar os interesses das oligarquias certamente têm que ter o aval dos senadores antes de chegar ao Poder Executivo. É nessa casa que as reformas propostas de afogadilho pelos deputados das diferentes regiões do Brasil podem ser melhor analisadas e, se for o caso, modificadas.
O Senado é considerado pela tradição liberal como a casa revisora, equilibrada, conservadora em sua essência. Por isso suas excelências se arrogam uma postura de quem dá a última palavra na aprovação dos projetos provenientes ou dos deputados ou do próprio Poder Executivo. A existência do Senado se espelha tanto no modelo republicano americano, quanto no monárquico britânico, ainda que neste último receba o título de Câmara dos Lordes.
A existência de governos unicamerais sempre assustou os detentores do poder no Brasil. Os exemplos europeus atemorizam as classes dominantes, especialmente os setores ligados ao agronegócio. Por isso, há um esforço para que os senadores sejam, em sua maioria, representantes dos grandes proprietários de terras.
A Câmara não está longe do mesmo segmento, mas ela é mais permeável a pessoas de outras camadas da população, como advogados, funcionários públicos, pequenos comerciantes, membros do clero e outros representantes das camadas urbanas brasileiras. Os debates são mais acirrados, os pontos de vista mostram conflitos de interesse não só de classe, como das oligarquias regionais.
É verdade que tudo está concentrado na capital do país, para onde convergem deputados e senadores. De fato, vivem em uma verdadeira bolha, longe da população de um modo geral, que não entende muito bem como funciona essa história de representatividade.
Afinal, os deputados raramente dão satisfação aos eleitores de seus posicionamentos e como encaram os problemas nacionais. Uma vez escolhidos, se arrogam o exercício do mandato e se tiverem que prestar contas é sempre para o chefe político regional e não para os seus eleitores, Estes são apenas um detalhe no edifício montado pela Constituição em exercício no Brasil.
O Poder Executivo está muito mais próximo do Senado do que da Câmara dos Deputados. Afinal, são pouco mais de 50 senadores, alguns considerados intelectuais e de boa família. O método de escolha do senador é proporcional ao de deputados. A cada dois deputados, a província pode indicar um senador. Caso tivesse um só deputado, tem direito a um senador. As eleições não são diretas. Os três mais votados compõem uma lista tríplice e o Imperador do Brasil escolhe um deles.
O mandato é vitalício o que aproxima ainda mais o modelo imperial brasileiro ao modelo britânico da Câmara dos Lordes. Com o beneplácito do chefe do Poder Executivo, o grupo é sempre formado pela maioria de apoiadores do governo e, portanto, comprometidos com os grandes produtores de café, cana-de-açúcar, algodão, fumo, exploradores da mão de obra escrava e estabelecidos em grandes latifúndios.
Além disso, os príncipes da família Bragança têm direito a uma vaga no Senado assim que completassem 25 anos, garantida pela Constituição de 1824. A filha de D. Pedro II, Princesa Isabel, se torna a primeira mulher senadora do Brasil, em uma assembleia formada apenas por homens. Detalhe: as mulheres não têm direito a voto nem a serem votadas. A sociedade imperial recebe de herança o patriarcalismo colonial e o mantém vivo por muitas décadas.
Isabel é colega de barões, marqueses, viscondes, juízes, médicos, advogados, latifundiários e membros da Igreja católica e do Exército. O modelo se adapta bem às necessidades do Segundo Reinado e sobrevive até o golpe militar que derrubou o Império e implantou a República no final do século 19.
(*) – É professor, jornalista, comentarista da Record News, Portal R7 e Nova Brasil FM, além de autor de vários livros de sucesso (www.herodoto.com.br).