Heródoto Barbeiro (*)
A luz da cidade apagou. Moradores de São Paulo, indignados com a falta de luz, saem em busca do culpado pelo apagão.
Os danos materiais e morais são altos e muita gente pensa em buscar na justiça uma reparação. Produtos alimentícios perdidos nos grandes mercados, restaurantes, bares e nas casas de quem tinha alguma coisa na geladeira. Produtos deteriorados vão parar no lixo. As casas comerciais ficam fechadas até que novos estoques sejam comprados e a contabilização dos prejuízos soma também o lucro cessante.
Escolas têm as aulas suspensas, alunos ficam em casa, professores não vão trabalhar e o ensino também sofre com o apagão que atinge a cidade. Os mais bem-humorados, apesar do transtorno, cantam nas ruas o sucesso da Inezita Barroso, “Lampião de Gás”.
A responsável pela distribuição da energia na cidade é uma empresa estrangeira. O debate escapa do campo técnico-científico e vai parar no debate político-ideológico. Os nacionalistas desfraldam novamente a bandeira de que não se pode entregar um fator estratégico, como a eletricidade, nas mãos de estrangeiros.
É preciso criar uma empresa genuinamente nacional, comprometida com os interesses estratégicos do Brasil e que não faça remessa dos lucros exorbitantes que coleta por aqui para o seu país de origem. Isso pesa na balança de pagamentos do país, além da perda de autoridade sobre o que se entende ser de interesse nacional. A proposta é tirar a concessionária estrangeira do caminho e criar uma estatal que possa representar a soberania nacional.
A questão é como trocar uma empresa que tem contrato de concessão sem ferir o princípio de direito líquido e certo de suas cláusulas. Seria o caso pura e simplesmente de mandar os gringos plantar batatas, invadir seus escritórios, tomar conta dos pátios de manutenção e seja o que Deus quiser?
“Lá no morro, quando a luz da Light pifa, nóis apela pra vela que alumeia também… não faiz mal a gente samba no escuro que é muito mais legal”, diz o incansável Adoniran Barbosa.
A população de São Paulo já se acostumou com os apagões, é uma coisa considerada normal. A fornecedora de energia tem o nome pomposo de São Paulo Tramway, Light and Power Company, de origem canadense, e que tem a concessão desde o século 19. Ela também tem o monopólio dos bondes elétricos que cortam a cidade de um lado a outro e já fazem parte da paisagem da Paulicéia.
Está estabelecida desde 1899, na presidência de Campos Sales. A energia elétrica é distribuída por postes e cabos pendurados principalmente nas regiões centrais da cidade, mas está muito longe da periferia que, em 1970, não para de crescer com o desenvolvimento da indústria automobilística e a migração nordestina movida pelo êxodo rural. Nesse ano, durante o período autoritário, a empresa é estatizada.
Em São Paulo, o governo do estado assume a empresa e nasce a Eletropaulo, que segundo os quatrocentões é uma homenagem aos paulistas; segundo a oposição, uma jogada política do governador Paulo Maluf.
Os apagões são os únicos componentes que atravessam o tempo e chegam aos dias atuais.
(*) – É âncora do Jornal Nova Brasil, colunista do R7. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Palestras e mídia training. Canal no Youtube “Por Dentro da Máquina” (www.herodoto.com.br).