O governo federal sancionou no dia 13 de julho último a Reforma Trabalhista que altera inúmeros itens e artigos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943 no governo do então presidente Getúlio Vargas
Neste mesmo mês de julho, só que cem anos antes, acontecia na cidade de São Paulo a primeira greve geral da história do país que está sendo lembrada em razão das circunstâncias do momento político em que vivemos. Este também é um tema serve de reflexão sobre o que pode vir acontecer nas relações de trabalho do Brasil atual Pós-Reforma Trabalhista.
No ano de 1917 a cidade viveu uma situação delicada, bem como inusitada por si só. Em certos lugares as ruas ficaram desertas com o comércio de portas abaixadas, indústrias e seu maquinário desligado, escolas sem aula. Em outros pontos, entretanto, a agitação foi grande com a paisagem urbana sendo coberta por um cenário de confrontos e violência.
Cerca de 50 mil operários entraram em greve, ou seja, quase 10% da população paulistana da época. O setor mais atingido foi o das fábricas visto que a produção de tecidos, chapéus, sapatos, móveis, fósforos, parafusos, cerveja e farinha foi interrompida em protesto pelo tratamento desumano dado aos trabalhadores. Por consequência o comércio foi afetado, não havia pão e os bondes deixaram de circular. A paralisação durou uma semana registrando cerca de 200 mortes em razão dos diversos confrontos envolvendo operários e policiais.
A greve não começou por causa dos baixos salários, na verdade o início se deu por uma questão pouco comentada nos livros de história, o assédio sexual dos chefes de seção sobre as funcionárias, especialmente nas tecelagens. Além disso, as mulheres ganhavam bem menos que os homens embora desempenhando a mesma função e se reclamava da exploração exagerada do trabalho infantil. Fatos semelhantes se sucediam fábrica por fábrica. Por tudo isso e também por melhores salários e condições de trabalho, os operários foram cruzando os braços sucessivamente, em solidariedade, mesmo sem a existência de um comando de greve. Depois sim o movimento passou a ter cunho político, com a adesão do Cotonifício Crespi, indústria de beneficiamento do algodão e produção de tecidos, localizada na Mooca. A paralisação dessa fábrica foi primordial porque ali trabalhavam diversos italianos e espanhóis, boa parte deles adepta do anarquismo.
Da mesma maneira a cobertura da imprensa foi crescendo de acordo com os acontecimentos. O jornal Correio Paulistano, era o que dava mais detalhes sobre a violência envolvendo os manifestantes e a polícia. Cada indústria estabelecia suas próprias regras, mas na maioria se trabalhava até 12 horas por dia. Assuntos como horas-extras, adicional noturno ou descanso remunerado no fim de semana nem eram citados pelos jornais da época. Não existiam sindicatos, nem carteira de trabalho, os patrões não respondiam pelos acidentes nas fábricas, nem ofereciam qualquer tipo de assistência médica. Este resultado fazia parte da mentalidade escravagista do empresariado mesmo após três décadas da abolição.
A indústria brasileira engatinhava em 1917, mas já lucrava muito. A eclosão da 1ª Guerra (1914-1918) comprometera a produção dos países envolvidos no conflito, o que deu às manufaturas do Brasil um espaço privilegiado no mercado mundial. Para dar conta da demanda, os empregados passaram a trabalhar mais sem que recebessem, entretanto, um centavo de diferença em seu favor.
Os grevistas decidiram se agrupar em frente à sede do Cotonifício Crespi como mostram as fotos da época, unificando uma pauta de reivindicações, muito embora não se soubesse exatamente com quem negociar. Também não havia uma entidade representativa da classe industrial ou empresarial como um todo e isso dificultava uma solução. O presidente da República em 1917 era Wenceslau Braz e o presidente do Estado, que cumpria o papel daquele que seria hoje o governador, era Altino Arantes. O prefeito da cidade era Washington Luiz, mas nenhum deles se pronunciou a respeito da greve, a preocupação deles estava voltada às exportações e a ordem que davam era somente a de reprimir com rigor passeatas, comícios e depredações. Um impasse se estabeleceu.
Vários dias seguiram assim até que um acordo acabou sendo costurado pela intermediação dos diretores de redação dos grandes jornais. Organizados em um comitê denominado Comissão da Imprensa, levaram as propostas dos operários ao poder público e aos industriais que depois de alguma negociação acabaram aceitando. O acordo que colocou fim à greve geral foi assinado na sede do jornal O Estado de S. Paulo, a 16 de julho de 1917 e estampada na edição do dia seguinte em sua página 5.
Os empresários se comprometeram a elevar os salários em 20%, não demitir os que participaram da greve, respeitando o direito de associação dos empregados e prometendo melhorar as condições morais, materiais e econômicas do operariado. Claro que depois nem tudo seria seguido à risca, mas aquela paralisação significou uma vitória do operariado. O poder público, por sua vez, anunciou na oportunidade que libertaria os grevistas presos que não tivessem praticado crimes de morte. O jornal O Estado de São Paulo também contou em suas páginas que a greve chegara a paralisar algumas cidades do interior, entre elas Jundiaí e Sorocaba.
Os direitos trabalhistas teriam, porém, que esperar mais alguns anos para que fossem alcançados. Em 1923, aprovou-se uma lei que impedia as demissões arbitrárias, dando ao empregado alguma estabilidade no emprego. Em 1927, veio uma lei que proibia o trabalho de crianças até 12 anos, reduzindo também a exploração dos adolescentes.
A CLT, surgida em 1943, foi organizada sem a discussão no Congresso Nacional, uma vez que o regime ditatorial implantado por Getúlio Vargas a partir de 1937, ao qual denominou “Estado Novo”, estabelecia o fechamento das casas legislativas. A Consolidação das Leis do Trabalho, ao que dizem, inspirada na Carta del Lavoro do governo italiano fascista de Benito Mussolini, trouxe a bem da verdade, efetivas novidades ao país, como a formação sindical corporativa que funcionou durante décadas e agora sofreu modificações por parte dos recentes reformistas da lei. No que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, a CLT surgiu como resultado de outras leis surgidas nas décadas de 1920 e 1930, fruto este da semente lançada pela Greve Geral de 1917 que abriu horizontes para uma visão mais ampla daquilo que se entende como respeito a quem de fato trabalha e produz.
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).