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A Ética na essência do trabalho da ABIn

em Denise Debiasi
segunda-feira, 15 de julho de 2024

Entre os escândalos que apareceram no início do ano em Brasília, um chamou minha atenção por envolver questões sutis (ou não tão sutis assim!) de ética. A Agência Brasileira de Inteligência (ABIn) foi acusada de espionar ilegalmente várias personalidades do mundo político e empresarial. A investigação está sendo conduzida pela Polícia Federal que identificou não apenas desvio de conduta do órgão de espionagem como o vazamento de informações sigilosas. Como resultado prático das descobertas, o diretor-adjunto da ABIn foi demitido, algumas linhas investigativas foram abandonadas e certas estruturas desmontadas.

Quando essa notícia surgiu nos veículos de imprensa há alguns meses, ouvi muita gente reclamar: mas a finalidade da agência de inteligência não é mesmo bisbilhotar a vida das pessoas? O que há de errado nisso? E o que seria espionar ilegalmente? Toda espionagem não teria um fundo de clandestinidade? Estariam fazendo tempestade em copo d´água?!

É nítido o quão interessante é esse debate. Por isso resolvi abordá-lo em minha coluna de hoje. Para entendermos a relação da moral envolvida em tal discussão, precisamos olhar primeiro para o trabalho da ABIn. A agência se destina realmente a promover a investigação de pessoas e grupos. Até aí não há nada demais. Governos do mundo inteiro realizam os serviços chamados de inteligência e de contrainteligência tanto interna quanto externamente. É através do monitoramento das ações de criminosos e de atitudes suspeitas que se pode evitar o surgimento de tragédias e práticas ilegais.

A questão ética surge quando as investigações da ABIn envolvem caráter político e pessoal dos ocupantes dos cargos públicos e não os interesses do Estado. E se os alvos do monitoramento dos agentes do órgão não forem tanto os grupos criminosos nem as atitudes suspeitas e sim os adversários e as curiosidades dos governantes de ocasião? Pode isso, Arnaldo?! É claro que não! Por mais que as atividades de inteligência e contrainteligência tenham caráter secreto, há componentes éticos envolvidos nas escolhas de quem e no que ficar de olho. Não se pode investigar qualquer pessoa e montar um aparato de monitoramento estatal sem as devidas justificativas legais.

Esse debate me lembrou um jantar que tive há alguns anos com uns amigos em Buenos Aires. Um dos rapazes do encontro disse trabalhar como ghostwriter. Imediatamente, a turma o questionou se era realmente ético escrever em nome de outra pessoa. Para espanto geral, o escritor disse que jamais tinha pensado em seu trabalho por aquela perspectiva. Para ele, era natural produzir textos para alguém que lhe enviasse conteúdos técnicos. Assim, o que fazia era nada mais do que transcrever ideias e organizá-las no formato textual. Onde estaria o comportamento errado em tal prática? Nesse caso, seria antiético, em sua visão, criar materiais que o cliente não havia detalhado e, principalmente, revelar sua autoria para a sociedade.  

Trouxe esses dois exemplos para mostrar o quão importante e delicado é o envolvimento da ética nas profissões e no universo corporativo. Saber trafegar pelos valores morais e pela integridade durante as atividades profissionais é algo que não pode fugir do radar das pessoas. O tempo inteiro precisamos refletir se o que estamos fazendo é certo ou errado do ponto de vista da honestidade.

Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.