Circo mambembe
O melhor negócio e ficar sempre com o conjunto. Na linguagem dos tempos rurais, é o mesmo que comprar com a porteira fechada.
Tudo o que está lá passa a ser de minha propriedade e posso dispor dele como quiser. Inclusive as pessoas. Posso demitir todos e nomear gente de minha confiança, não importa a competência nem o tempo que andaram trabalhando por lá. O fato é que elas foram nomeadas por outro e não são do meu time.
Quando se recebe um ministério no governo o trato é que seja de porteira fechada, em troca do apoio ao presidente no Congresso. Um preço caro, mas o custo benefício é bom. Os projetos do seu grupo de interesse não vão ficar fora da pauta, ou encalacrados em uma comissão e ninguém sabe dizer porquê. Só mesmo um forte grupo de lobistas ou a troca de um ministro são capazes de fazê-lo progredir. É importante ter nas mãos as nomeações dos cargos, mesmo o que não tenham grande importância, geralmente chamado de “casas das máquinas”, o que numa fazenda seria o papel de um peão de boiadeiro.
O salário é baixo mas é possível acomodar os pedidos dos amigos, parentes, correligionários, puxa sacos e outros próximos. Os cargos mais nobres são reservados para os que vão ajudar a manejar a estrutura do ministério a favor do chefão. Pode ser através da negociação de uma propina “para a campanha eleitoral“, realização de solenidades para angariar votos e se perpetuar no poder até instalar um ou uma amante que também é mantida pelo dinheiro do Estado. Ou melhor do contribuinte.
Ao vencedor da eleição no executivo, muito mais do que a projeção e a oportunidade de pôr em prática o seu programa de governo, está a posse do Estado. Ele visa a conquista do Estado, a grande presa oferecida ao vencedor. Foi por isso que ele e seu partido, quando na oposição, não se esforçaram para diminuir o tamanho e a ação do Estado. A estratégia é aguentar tudo como está, não mudar nada, e esperar o momento da chegada da sua vez de se apossar da máquina.
Alguém já disse – seria Marx? – que o Estado não é se não a máquina de opressão de uma classe por outra, e isso tanto em uma república democrática ou monarquia. Portanto a luta pelo tamanho do Estado não deveria ser o foco da questão, mas a sua extinção. Contudo se apossar e aparelhar o Estado passou a ser uma prática da esquerda e da direita. Todos o querem.
Ou seja a competição não é entre propostas de governo conflitantes, mas de domínio da casa das máquinas, com a porteira fechada para nenhum concorrente ouse ocupar qualquer posto na burocracia interna. A chegada do novo ministro se dá com a limpeza de todos os contratados sem concurso, afastamento ou geladeira para os concursados que forem refratários à nova ordem. Cabeças rolam invariavelmente com o ciclo de duração do chefe, ou ministro, ou secretário.
Pode durar quatro, oito anos, ou alguns meses, depende dos acertos feitos na cúpula do governo. É exceção ver um ou uma ministra nomeada e impedida de assumir a fazenda de porteira fechada por causa de mal feitos detectados no judiciário e amplificados pela “mídia golpista.”
A legitimidade dessa distribuição dessa imensa riqueza de posse do Estado é dada pelas eleições e as escolhas feitas pela população, ainda que ela não entenda que o que está sendo disputado não é o governo, mas o Estado. O instrumento de consolidação da conquista é o partido, que já tem a estrutura completa e apta para assumir todos os postos, inclusive para os quais não foi eleito.
É tudo meu, rejubilam-se o acólitos de sempre. Quem é que fica com o quê. Os partidos originaram-se na competição pelo poder, mas vão muito mais além disso. A militância é preparada ao longo dos anos para estar apta a dizer que postos querem se a eleição foi bem sucedida. O imenso aparelho do Estado pode cair nas mãos de quem almeja o império, muito mais do que o Poder regulamentado pela constituição. Os meios cômodos hoje do povo mudar os participantes do poder constitucional, as eleições regulares, são os meios legais de tirar uma burocracia e substituí-la por outra.
O período eleitoral se dá em um picadeiro de um circo mambembe de periferia, onde palhaços, malabaristas, mágicos, domadores entretém a plateia que vai dar respaldo, deixar o espetáculo e só ser convidada para o próximo show dali a quatro anos. Neste período contenta-se a acompanhar as peripécias dos novos proprietários e pagar impostos para que possam usufruir da máquina.
O Poder visto como um agente da Liberdade, nesse contexto, se torna o seu inimigo.
(*) – É âncora e editor chefe do Jornal da Record News em múltipla plataforma.