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Cavalos ou jogadores?

em Colunistas, Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 26 de abril de 2018

Cavalos ou jogadores?

As torcidas não paravam no estádio. Faziam ôlas, gritavam nomes, cantavam palavras de ordem

Elas se organizavam de acordo com as cores preferidas. Verdes, azuis, brancos vermelhos dividiam os espaços. Homens, mulheres e crianças entravam sem pagar. O governo havia gasto uma fábula para deixar o estádio em condições de concorrer com outros famosos na Europa. Não se poupou dinheiro público. Afinal os impostos eram altos exatamente para o governo poder promover a gastança.

Na ultima corrida da tarde Nika, o cavalo do imperador Justiniano, era o favorito. Na chegada houve uma confusão geral. Ele e um adversário chegaram empatados e a diferença era de menos de um focinho. As torcidas se dividiram. Os ânimos ficaram exaltados. O árbitro tinha a responsabilidade de proclamar o vencedor. E ele apontou o quadrupede do imperador.

O tempo fechou, o pau quebrou e as torcidas organizadas depredaram igrejas e até o palácio do imperador em Constantinopla, ou Bizâncio, não escapou. O povo ocupou o hipódromo e de lá ameaçava derrubar o governo. Justiniano chamou o exército. O que se seguiu foi um verdadeiro banho de sangue e a suspensão de qualquer outra competição no hipódromo.

Os jovens vibravam com a moda de Mary Quant. A mini saia ganhava as mulheres de todo o mundo. As farmácias vendiam ante concepcionais e nos banheiros públicos e das casas noturnas era possível comprar preservativos masculinos. O conjunto de Liverpool começava a fazer sucesso com I wanna hold your hand. Os Beatles. Os times de futebol ingleses ganhavam visibilidade com a participação no campeonato europeu. Cresciam a olhos vistos. E com eles as torcidas infiltradas por gangs de jovens oriundas dos bairros periféricos das cidades britânicas.

Dai para as torcidas organizadas foi um passo. As brigas e pancadarias aconteciam antes e depois dos clássicos. Durante os jogos, a presença da polícia e de torcedores civilizados impediam que houvesse conflito. O estádio não chegava a ter grades para separar torcidas ou impedir a circulação entre as torcidas. Os vândalos também ficaram mundialmente conhecidos como holligans. Eram sinônimo de destruição, e por isso bares e outros estabelecimentos nas cercanias eram depredados.

O pico da violência foi um jogo na Bélgica entre o inglês Liverpool e o italianíssimo Juventus. Desta vez a confusão começou dentro do estádio e por isso o número de mortos e feridos foi maior. Para por um paradeiro nessa selvageria as equipes inglesas foram proibidas de participar do campeonato europeu por cinco anos.

As torcidas organizadas se tornaram uma ameaça dentro, fora e longe dos estádios brasileiros. A violência não está circunscrita às cercanias dos campos de futebol. Um torcedor pode ser pego em um bairro distante e agredido apenas porque estava usando uma camisa do seu time de futebol. A violência se repetiu tantas vezes que as autoridades determinaram que os jogos entre times da mesma cidade só poderiam ter torcida única.

Uma das belezas do futebol que é milhares de pessoas torcendo civilizadamente para os dois clubes com cantos, bandeiras, flâmulas, ôlas acabou. Virou um samba de uma nota só, sem o talento do João Gilberto. O que leva grupos armados saírem á caça de “inimigos”. Na falta deles destruir bancos, estações de metrô, ônibus e outras propriedades. Qual o apoio que os grupos políticos que dominam os grandes clubes de futebol brasileiros dão a esses grupos de vândalos disfarçados de torcedores?

As teses sociológicas, antropológicas, psicológicas são inúmeras. Há até os que justificam que esse tipo de comportamento vem do século 5, da época de Justiniano. E não se evoluiu nada nesses mil e 500 anos que nos separam do hipódromo de Bizâncio?

A resposta está no campeonato brasileiro em andamento.

(*) – É âncora e editor chefe do Jornal da Record News, em multiplataforma.