Antes de ligar a boca…
* J. B. Oliveira
Invariavelmente, em palestras e cursos de oratória, faço uma recomendação que – a bem da verdade – nem precisaria ser feita:
– Antes de ligar a boca, ligue o cérebro!
Não é óbvio que devamos pensar antes de falar?
Lembro-me de que a primeira definição que ouvi sobre o homem – lá no distante então chamado Grupo Escolar – dizia: “O homem (hoje diríamos, seguindo o politicamente correto: o ser humano) é um ser que pensa, fala e age”.
Guardei para mim essa sequência, e sempre procurei segui-la. Às vezes demoro um pouco para me pronunciar, de modo especial frente a situações ou assuntos delicados, porque eu me ponho a coordenar os pensamentos, as ideias. Geralmente procuro ordenar minha exposição verbal em início, meio e fim (nessa ordem!), para só então falar! Devo confessar que, em mais de uma ocasião, acabei nem tendo a chance de dizer alguma coisa, porque o assunto fora superado ou porque os interlocutores não esperaram que eu cumprisse minha “via crucis comunicacional”! Entretanto, não me arrependo: praticamente nada perdi, pois cheguei à conclusão de que é melhor deixar fazer pronunciamentos acertados do que fazer os desacertados!
A indiscutível verdade é que não dá para desdizer aquilo que foi dito! Isso porque, depois que as pronunciamos, as palavras deixam de ser nossas e passam a pertencer aos interlocutores e, por boa ou má sorte, ao universo, “per omnia saecula saeculorum”!
Frases ditas em períodos remotos da história da civilização chegaram até nós, e prosseguirão até as gerações vindouras. Tomem-se em consideração algumas das mais famosas:
– Eureka! Foi a palavra proferida por Arquimedes, no século III antes de Cristo.
– Alea jacta est – proclamou Júlio César, no ano 49 a.C., prestes a atravessar o Rubicão.
– Consummatum est – foram as palavras de Cristo, no instante de sua crucificação.
– Que grande artista o mundo vai perder – lamentou o imperador Nero, no ano 37 d. C.
– Per ché non parli? – indagou Michelangelo, à sua própria obra, Moisés, em 1515.
– E pur si muove! – exclamou Galileu Galilei, em 1633, no período da “santa Inquisição”.
– Mr. Watson, venha cá, eu preciso do senhor – solicitou Graham Bell, na primeira
mensagem telefônica do mundo, em 1876.
– Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta,
vamos dobrar a meta – filosofou a então presidente Dilma Rousseff, em 5 de agosto de
2015.
– Nós teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento
de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje, eu estou saudando
a mandioca. Acho uma das maiores conquistas do Brasil – Dilma Rousseff, em duplicata,
por pertencer à categoria “hors concours”.
Com exceção dos dois últimos exemplos, tudo isso – e muito mais que o curto espaço de tempo e a igualmente curta paciência dos leitores não recomendam citar – chegou até nós sem os recursos mágicos, extraordinários e mefistofélicos da Internet. Hoje, os cuidados têm de ser redobrados, pois sempre há alguém gravando tudo o que se passa. Afinal, no Brasil atual, temos mais de 200 milhões de “comunicadores” de plantão. Bem ou mal-intencionados…
Foi nesse contexto que bombou a desastrosa frase de Eduardo Bolsonaro – detentor de recorde histórico de votação, que o reelegeu deputado federal por São Paulo! Pronunciadas há 4 meses, em julho passado, em aula num cursinho no Paraná, mas maciçamente veiculadas agora, às vésperas da votação em segundo turno a que concorre seu pai, suas palavras foram e estão sendo usadas como arma de alto potencial destrutivo pelo opositor, pela mídia e por centenas de outros meios de comunicação!
– Bastam um soldado e um cabo para fechar o STF – não foi, com toda a certeza, fruto do racioncínio, nem da intenção do deputado. Mas foi o que alguém gravou e o Brasil todo está ouvindo!
No caso dele, a frase veio em resposta a uma pergunta. E o que ensino é que, nesse caso, antes de responder, há que se proceder a uma análise da questão: quem a formulou: como a formulou; com que intenção o fez! Pode ser uma astuta tentativa de desestabilizar o comunicador. Ou de pôr em sua boca aquilo que está na mente de quem faz a pergunta ou o aparte…
Por isso, antes de ligar a boca, liguemos o cérebro!
*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.
É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.
www.jboliveira.com.br – [email protected]