Ricardo Alípio da Costa (*)
Há 30 anos o slogan “exportar é o que importa” resumia o que o país esperava do seu comércio exterior.
Exportar era o lado bom e as importações o lado ruim, devendo, portanto, sofrer restrições. Esta visão, felizmente, é totalmente diferente nos dias atuais de mundo globalizado e com economias totalmente abertas ao comércio internacional.
Não é difícil verificar nos gráficos que os países que mais se desenvolvem e têm a população mais feliz são os que se relacionam mais fortemente com o resto do mundo na troca de mercadorias e serviços. Pois foi em 1987, quando as importações eram demonizadas, que se criou no Brasil o “Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM”, um tributo sobre as importações que permanece até hoje onerando as compras brasileiras no exterior.
Ele foi criado numa tentativa de custear a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, que vivia momento crítico de insolvência financeira e inviabilidade do modelo de negócios diante da concorrência com armadores internacionais. Não funcionou, e o Lloyd acabou falindo com a penhora judicial de suas embarcações.
Portanto o AFRMM é um tributo que foi criado no mesmo ano em que a marinha mercante brasileira deixou de existir. Em crise existencial desde a origem, é bastante questionável também sob o ponto de vista legal e econômico. O adicional tem natureza jurídica de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), cujo fundamento constitucional é o art. 149 da Constituição da República.
É cobrado na proporção de 25% sobre o valor do frete marítimo internacional, pago pelo importador e repassado ao consumidor final embutido no preço das mercadorias importadas. Segundo o art. 4º da Lei nº 10.893/2004, o fato gerador do AFRMM é o “início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro”. Já a base de cálculo do tributo é uma grandeza completamente diferente de seu fato gerador, qual seja, o valor do frete marítimo internacional, como dispõe o art. 6º da mesma lei – um monstro de duas cabeças.
Ora, se o fato gerador é o descarregamento da embarcação em porto brasileiro, seria mais lógico a sua incidência sobre o custo do descarregamento e não sobre o valor da remuneração do transporte marítimo. Esta desconexão entre fato gerador e a base de cálculo do AFRMM torna o tributo inconstitucional em flagrante oposição ao disposto no artigo 149 da Constituição.
Do ponto de vista econômico, em momento ainda de caos no transporte marítimo internacional em função da pandemia, com a disparada no preço do frete internacional, o AFRMM se torna ainda mais incômodo funcionando quase como uma barreira intransponível para a entrada de muitos produtos importados. A situação se tornou insustentável após as medidas mais restritivas do início da pandemia, em que o comércio mundial experimentou uma retomada repentina, os preços do frete marítimo dispararam e não recuaram mais.
A importação de um contêiner Ásia-Brasil que custava em média US$ 2.300 hoje está acima de US$ 7.000. A aplicação do adicional (AFRMM) de 25% sobre um valor de frete que está absurdamente elevado é um dos motivos que está inviabilizando a importação de vários produtos e gerando atrasos e descompassos em cadeias produtivas que dependem de insumos importados. Neste momento disruptivo em que se busca restabelecer a ordem no comércio mundial em termos mais amigáveis ao consumidor final, é fundamental que o governo federal acabe de uma vez por todas com o malfadado AFRMM.
Esta anomalia brasileira não encontra par em outro país do mundo e distancia o Brasil das cadeias de valor globais. O país é considerado um dos mais fechados ao comércio exterior em todo o planeta. Isto se reflete na redução do investimento externo, na desindustrialização, na percepção internacional de ambiente hostil aos negócios, e, por fim, significa excessiva intervenção estatal nas operações de comércio internacional, conceitos defasados dentro do panorama mundial.
(*) – É advogado aduaneiro e presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus (Abidip).