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Um manicômio tributário chamado Brasil

em Artigos
quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Samuel Hanan (*)

Das várias reformas que o Brasil precisa para se desenvolver e propiciar uma vida digna aos seus 213 milhões de habitantes, talvez a mais urgente seja a tributária.

Isso porque, ao optar por tributar fortemente o consumo, e não a renda/capital, o País escolheu o caminho errado. Essa sinuosa estrada arrecadadora não é nada segura e sacrifica o bolso dos mais pobres. Representa a aceleração das desigualdades ladeira abaixo. Hoje a tributação sobre o consumo responde por 41% a 44% do total da arrecadação tributária. Praticamente metade disso advém da tributação sobre a renda: de 21% a 23%.

Nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, ocorre exatamente o inverso: a tributação sobre a renda responde por 44% da arrecadação total e apenas 18% são resultado do consumo. No Japão, essa relação é de 49% para 19%. Outros países de economia forte também adotam tributação maior sobre a renda do que sobre o consumo, como Holanda, Reino Unido, Itália e Canadá. Esta é uma das origens do aprofundamento das desigualdades sociais brasileiras, uma verdadeira fábrica de pobreza.

Basta conferir a incidência de tributos em alguns gêneros de produtos de primeira necessidade: 24,02% na água encanada tratada por concessionária, 48,28% na energia elétrica, 30,15% na linha de telefone celular, 22,79% no óleo comestível, 26,80% na carne de frango, 16,30% no macarrão. Uma geladeira tem 46,21% em impostos no preço final. Uma vassoura, 34,27%.

Programas de distribuição de vale-gás e de absorvente higiênico não seriam necessários se o governo federal simplesmente reduzisse os tributos sobre esses produtos – hoje de 34,04% e 34,48%, respectivamente -, tornando-os mais acessíveis à população de baixa renda. O atual sistema tributário, injusto e regressivo, é responsável – juntamente com outras causas – pela situação de penúria da maioria da população brasileira.

Como exemplo, um trabalhador com remuneração mensal de dois salários-mínimos, devolve todo mês aos governos federal, estadual e municipal no mínimo R$ 386,82 em tributos. Esse cálculo envolve as alíquotas sobre água, energia elétrica, gás de cozinha, alimentação básica, telefone celular, produtos de higiene e limpeza, vestuário, material escolar e medicamentos. Nesse cálculo básico, 28,27% dos rendimentos desse trabalhador vão, compulsoriamente, para os cofres públicos.

Essa carga tributária é um fardo pesado para o trabalhador carregar. Em 2020, o total de impostos pagos anualmente por um brasileiro correspondia ao rendimento de 151 dias de seu trabalho. O que significa dizer que nossos cidadãos trabalham cinco dos 12 meses do ano apenas para pagar impostos. É preciso rever também a questão dos gastos tributários, que somam nada menos do que 15% do total arrecadado. Somente os gastos tributários da União representam 3,91% do PIB nacional.

Como agravante, temos a irresponsabilidade na concessão de benefícios fiscais, com muita generosidade e sem prazo determinado, sem regressividade ao longo do tempo e sem nenhum mecanismo de avaliação prática que se tornou comum ao longo do tempo, somando, por mais de uma década renúncia de R$ 287 bilhões/ano pela União (Fonte: SRF/LDO’s e CONFAZ), e mais R$ 50 bilhões/ano pelos estados, neste caso, o correspondente a 0,72% do PIB nacional.

Tudo isso em tolerado descumprimento à legislação brasileira (Constituição de 1988 e Leis Complementares). Esse quadro deixa claro que o Brasil se transformou em um manicômio tributário. O País está preso em sua própria camisa-de-força, o que impede seu desenvolvimento. E a conta dessa loucura quem paga é a população, especialmente a mais pobre, justamente a mais necessitada.

(*) – Engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, é empresário e ex-vice-governador do Amazonas (1999-2002).