Lucas Mantovani (*)
A proposta de taxação de grandes fortunas, especialmente por meio da tributação de dividendos, ganhou ainda mais tração no debate público brasileiro após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), no começo de novembro, que determinou que o Congresso Nacional crie o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas). Embora a Corte não tenha definido prazo, entendeu por maioria de 7 a 1 que o Legislativo foi omisso ao não regulamentar o tributo previsto na Constituição, em julgamento da ADO 55, apresentada pelo Psol e “desengavetada” pelo ministro Edson Fachin.
Esse movimento institucional fortalece a pressão política por medidas voltadas ao combate à desigualdade, mas o tema permanece complexo quando analisado dentro da arquitetura tributária do país, marcada por um peso excessivo sobre o consumo e por um ambiente regulatório que já desestimula investimentos produtivos. O Brasil está entre os países que mais tributam bens e serviços no mundo, o que penaliza proporcionalmente os mais pobres.
Segundo a Receita Federal, mais de 44% de toda a arrecadação nacional vem de tributos indiretos sobre consumo e produção, enquanto nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a média é de cerca de 32%. Diante disso, introduzir mais um imposto, ainda que direcionado a altas rendas, significa jogar mais carga em um sistema desequilibrado, sem atacar o cerne da regressividade fiscal.
A discussão sobre justiça tributária também costuma ignorar um ponto central, a de complexidade gerar ineficiência. O Brasil ocupa o 8º lugar no ranking de maior complexidade tributária do mundo, de acordo com a PwC, o que encarece a conformidade, dificulta a vida das empresas e desestimula novos empreendimentos. Ampliar a tributação sem simplificar o sistema equivale a aumentar o peso de uma engrenagem já travada.
No debate internacional, a tributação de dividendos é comum, mas os países que a adotam o fazem dentro de modelos que equilibram o conjunto. A própria OCDE já alertou que corrigir essa “exceção brasileira” exige observar o contexto mais amplo, em que antes de tributar mais, é preciso reduzir distorções, melhorar a previsibilidade regulatória e diminuir o custo de operar no país. Sem isso, a tributação sobre dividendos tende mais a afugentar capital do que redistribuir riqueza.
Essa fuga não é teórica. Segundo a FGV, ambientes regulatórios hostis ao capital geram maior evasão fiscal, menor atração de investimento direto e retração no empreendedorismo. Países que tentaram aumentar a taxação sobre rendimentos sem revisar a estrutura global dos impostos enfrentaram reduções expressivas no investimento produtivo, e, paradoxalmente, queda na própria arrecadação.
Há também um componente de competitividade internacional a ser considerado, onde em um mundo em que capital e empresas podem se mover com crescente facilidade, medidas isoladas de aumento de carga tributária tendem a deslocar investimentos para jurisdições mais estáveis e com regimes fiscais mais inteligentes. A consequência, no médio prazo, é uma economia menos dinâmica e menos capaz de gerar crescimento sustentável.
Isso não significa que o tema deva ser abandonado, já que a taxação de altas rendas pode fazer parte de uma reforma tributária abrangente, desde que alinhada a um redesenho completo do sistema, mais simples, transparente e orientado ao desenvolvimento econômico. O problema surge quando a medida é tratada como solução mágica para desigualdade, ignorando os entraves estruturais que travam a produtividade e a geração de riqueza.
No fim, a discussão não deveria girar em torno de tributar mais, mas de tributar melhor. O Brasil precisa de um sistema que incentive a formalização, atraia investimentos e distribua o peso fiscal de forma justa. Sem isso, a taxação de grandes fortunas, embora sedutora no discurso, tende a se tornar mais um remendo em uma estrutura que já opera no limite, com efeitos colaterais que podem custar caro ao ambiente de negócios e ao crescimento do país.
(*) Sócio e cofundador da SAFIE.
