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Swifties e o Direito do Consumidor

em Artigos
segunda-feira, 24 de julho de 2023

Mário Henrique Martins (*)

A mobilização de fãs que pode virar paradigma no combate ao cambismo no Brasil

A estrela do pop Taylor Swift, famosa por seus hits que a faz possuir uma legião de fãs por todo o mundo, realizará uma série de shows no Rio de Janeiro e em São Paulo, no mês de novembro de 2023.

Em razão dos shows, que contam com uma procura altíssima por parte de seus fãs brasileiros, começou-se a perceber, principalmente nas filas para a aquisição presencial de entradas, que muitas pessoas poderiam estar ali com interesses escusos.

Ou seja, diversas pessoas, por interesse próprio ou alheio, passaram a entrar nas filas, com cartões de crédito de terceiros, com o intuito de adquirir ingressos para posteriormente vendê-los por preços muito mais elevados.

A título de curiosidade, o ingresso mais caro para os shows no Rio de Janeiro (desconsiderando os pacotes VIPs), que garante a entrada na Pista Premium, foi disponibilizado por R$950,00. No entanto, em sites como o “Viagogo”, os ingressos a serem revendidos no mesmo setor possuem um valor médio de R$1.300,00 a R$2.000,00, sendo possível encontrar entradas de até R$6.000,00.

Em que pese seja mais difícil investigar a potencial ilicitude cometida por agentes privados na internet, percebe-se que os fãs da Miss Americana promoveram a reabertura de um necessário debate sobre a tipificação penal ou a responsabilização cível, à luz dos princípios e regras consumeristas, a aqueles que revendem ingressos a preços exorbitantes ou que adquirem ingressos em grandes quantidades para auferir lucro indevido, os chamados cambistas.

Ainda que tenha havido entendimento por parte de alguns juristas a respeito da aplicabilidade dos revogados artigos 41-F e 41-G do Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), nota-se que a vedação ao cambismo, atualmente, se dá tão somente em relações de consumo de eventos esportivos, como bem estabelecem os artigos 166 e 167 da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023).

Nesse sentido, importante pontuar que, ainda que seja evidente a violação aos princípios que regem as relações de consumo, à Política Nacional das Relações de Consumo e que a prática possa ser facilmente compreendida como abuso de direito (na forma do art. 166 do Código Civil), as infrações penais contidas no Código de Defesa do Consumidor não abarcam especificamente a hipótese de cambismo.

E, diante da recém promulgação da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), subsiste uma dúvida razoável acerca da equiparação dos consumidores de eventos culturais aos consumidores de eventos esportivos, de modo que se possa aplicar os tipos penais dos artigos 166 e 167 da sobredita lei também às práticas de cambismo em shows e eventos em geral.

O importante debate passa, inclusive, pelo choque entre o limite da autonomia da vontade nas relações cíveis e a prática de um abuso de direito, passível inclusive de tipificação penal. Questiona-se, assim: até que ponto um ajuste bilateral ou multilateral de vontade, no pleno exercício da capacidade dos indivíduos envolvidos, constitui matéria de ordem pública apta a ensejar a responsabilidade criminal? No mesmo sentido, em que medidas tais ajustes (ou tentativas de ajustes) podem ser caracterizados para fins de responsabilização cível?

Ainda que a posição aqui adotada seja a da possibilidade de responsabilização cível, à luz dos princípios que regem as relações consumeristas, a ausência de parâmetros objetivos em relação à matéria dá margem a interpretações que podem vir, até mesmo, a criar uma aparência de legalidade às práticas adotadas por cambistas.

Portanto, tem-se que o contexto de ilicitudes perpetradas em decorrência dos shows da cantora Taylor Swift no Brasil, a depender de medidas a serem adotadas nas próximas semanas e meses em relação aos aspectos consumeristas da prática de cambismo, pode vir a ser considerado um marco nas relações de consumo, de forma a existir um posicionamento de Estado que objetivamente venha a punir agentes privados que adquiram ingressos em eventos culturais, com o intuito ilícito de meramente auferir lucro, em prejuízo a todas as outras pessoas que efetivamente estejam interessadas em adquirir as entradas.

(*) É advogado especialista em Direitos Difusos e Coletivos do Martins Cardozo Advogados Associados.