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São Paulo superlativa

em Artigos
quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Rodrigo Augusto Prando (*)

A cidade de São Paulo está completando 465 anos. São, segundo dados do IBGE, cerca de 12,2 milhões de habitantes. A maior cidade do país.

São Paulo tem, em seu bojo, o Brasil; tem um mundo em São Paulo. São Paulo é superlativa, tudo – ou quase tudo – assume um grau extraordinário.

Além dos milhões de habitantes, a cidade abriga brasileiros de todos os estados que para cá vieram em busca de oportunidades. Como, também, os incontáveis imigrantes, dos italianos que “vieram fazer a América” aos irmãos venezuelanos fugindo da miséria e arbítrio em seu país.

A cidade é, sociológica e antropologicamente, um microcosmos da sociedade brasileira. Tem, como o país, seus ritmos históricos desencontrados. Avançou espetacularmente na economia, mas deixou para trás os tempos da educação, cultura, civilidade, política. Conjuga-se, neste espaço urbano, o ultramoderno com o arcaico.

Há, na Avenida Paulista e Berrini, os traços da modernidade global, cosmopolita, nos negócios, na velocidade, na riqueza abundante. Há, à guisa de exemplo, em regiões como o Brás e Bom Retiro, bolivianos e peruanos que trabalham em situação análoga à escravidão. Na distância de poucos quilômetros, temos o século XXI e o século XV.

São Paulo é superlativa na riqueza que produz e na miséria que se apresenta cotidianamente nas ruas. Há tempos, na Paulista, escutei ronco vigoroso do motor de uma Ferrari. A potência daquele motor estaria em algo próximo a 490 cavalos e, depois de acelerar, saiu queimando pneu em uma exibição de força e poder econômico.

Minutos depois, um homem passou, pela mesma avenida, puxando uma carroça, com material para reciclar, duas crianças acomodadas no topo e um cachorro que o seguia. Ali, não havia 490 HP de potência, havia, apenas, 1 HP, no caso human e não horse.

Nos dias que correm, poucos, aqui, em São Paulo, se arriscam a flanar pela cidade. É ruim a locomoção pelas calçadas e são perigosas algumas regiões, especialmente à noite. Uma pena. Caminhar pela cidade e observar sua arquitetura, seus personagens, sua vida cotidiana é enriquecedor do ponto de vista histórico e sociológico.

Infelizmente, essa cidade tem proporcionado prazeres e lazeres protegidos a uma pequena parcela de seus habitantes, que moram nas regiões centrais, onde se localizam estabelecimentos comerciais ou mesmo aparelhos públicos que poderiam ser melhor distribuídos objetivando democratizar seu acesso.

Sou um morador de São Paulo desde de 2005, quando iniciei minha carreira docente. Sou um caipira – no melhor de suas tradições – apaixonado pela cidade. Tenho, como poucos, o privilégio de morar próximo ao trabalho, frequentar bares, restaurantes, teatros, cinemas e livrarias somente caminhando e conversando muito. Contudo, gostaria de um dia poder vivenciar o que presenciei na Espanha e nos Estados Unidos.

Em Salamanca, ao término de uma conferência que proferi, fui a um restaurante de uns 600 anos. Lá, com outros professores, percebi os garis fazendo a varrição da rua. Ao final, colocaram seus coletes nos carrinhos e entraram no restaurante, lavaram as mãos e beberam e comeram o mesmo que nós. Em Miami, tomava meu café em conhecida loja, quando um morador de rua se sentou ao meu lado, com seu jornal e copo de café, sem ser incomodado por ninguém.

Desejo um feliz aniversário para a São Paulo superlativa e que seja mais humana e menos desigual e violenta. E que todos cuidem da cidade, naquilo que puderem!

(*) – Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia pela Unesp, é professor e pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.