Reinaldo Dias (*)
A partir de primeiro de janeiro de 2016, entrou em vigor a Agenda 2030 da ONU, composta de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecendo objetivos e metas a serem alcançados em 15 anos.
O sexto objetivo trata do saneamento básico e considera como meta “garantir a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”. Nas negociações da agenda, o Brasil se comprometeu em “até 2030, garantir a todos o acesso universal, a preços acessíveis, à água potável e segura, ao saneamento adequado e à higiene”.
Com o compromisso assumido, a realidade mostra que para se atingir o objetivo proposto há um longo caminho a percorrer pois, atualmente, segundo dados do Instituto Trata Brasil, são 35 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada, metade da população – 100 milhões – não têm coleta de esgotos e apenas 40% dos esgotos coletados são tratados, os outros 60% são lançados sem tratamentos nos rios, riachos e córregos. O problema é grave. E embora a questão do saneamento básico afete a todos, os maiores prejudicados e que sofrem o maior impacto são as famílias de baixa renda, muitas residentes em áreas irregulares.
Os assentamentos irregulares, de acordo com o IBGE, são conjuntos constituídos de, no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais ocupando propriedade alheia (pública ou privada) e estando disposta, em geral, de forma desordenada e densa. Esses assentamentos podem ser: invasões, loteamento irregulares ou clandestinos, áreas invadidas, favelas entre outros.
No Brasil, há uma tendência dos poderes públicos municipais se referirem aos avanços em termos de saneamento e água potável considerando somente as áreas regularizadas, com o argumento que não podem levar melhorias às áreas irregulares. E param por ai. Lembram-se desses moradores irregulares nas eleições quando são feitas inúmeras promessas de solução do problema. Passado o pleito voltam a situação anterior, onde os irregulares não são incluídos nas estatísticas do planejamento urbano, sendo tratados como cidadãos de segunda categoria.
Essa prática de utilização de dados estatísticos considerando somente as áreas urbanas regularizadas dá a falsa impressão de que os avanços foram mais significativos do que realmente o são. Muitas lideranças municipais alegam tratar 100% do esgoto coletado, no entanto, facilmente se encontram áreas com esgoto a céu aberto e muitas sem água potável contribuindo para a disseminação de doenças e causando mal-estar devido ao mau cheiro.
A questão deve ser discutida em termos de direitos humanos, pois o poder público representa todos os cidadãos, sem exceções, estejam onde estiverem no espaço territorial de sua responsabilidade, que são os limites do município. Não cabe discriminação de uma parcela com o argumento de que alguns estão regulares e outros não. Trata-se de concretizar o direito a todos sem distinção. Se há limite de algum modo para que esse direito seja concretizado, cabe às autoridades municipais usarem de criatividade, iniciativa e ousadia para cumprirem seu papel e elevar a qualidade de vida dessa população “irregular” que em muitas regiões supera em número os habitantes de muitos municípios.
O tratamento igualitário de toda população municipal é uma condição fundamental para que se caminhe para um mundo justo e sustentável. Nas cidades o poder político está mais próximo dos cidadãos e, estes podem exercer com mais facilidade uma legítima pressão e fiscalização de seus representantes exigindo o cumprimento de promessas realizadas durante as eleições.
A pesquisa “Saneamento básico em áreas irregulares nas grandes cidades brasileiras” divulgada em maio deste ano pelo Instituto Trata Brasil recomenda aos moradores de áreas irregulares incluir na agenda das eleições de 2016 compromissos dos candidatos para a solução dos problemas habitacionais e de saneamento básico e, posteriormente exigir o cumprimento dessas promessas.
A participação consciente exige organização e neste sentido, é importante o engajamento nos movimentos locais de luta por moradia e saneamento básico que além de acompanhar a evolução da solução do problema, reúne dados e informações oferecendo uma visão alternativa àquela apresentada pela administração municipal.
(*) – É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie/Campinas. Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Ciência Política pela Unicamp e especialista em Ciências Ambientais.