Yuri Sahione (*)
A Operação Lava-Jato voltou a causar preocupação na pauta política do país nos últimos dias.
Não pela nova possibilidade de prisão do ex-presidente Temer, mas pelo desgaste a olhos vistos do relacionamento entre o Ministério da Justiça e a Câmara. Se de um lado, o governo, os analistas e o mercado acenderam o sinal amarelo com relação às consequências que a crise de relacionamento político traria para a recém apresentada reforma da Previdência – prioridade da pauta econômica -, de outro, muitos vislumbraram o enterro político do Projeto de Lei Anticrime do Ministro da Justiça.
Com o esvaziamento das prisões decretadas, a aparente retomada do diálogo político indicou que aqueles dias não passaram de “chuvas de verão”, nas palavras do presidente da República, abrindo espaço não apenas para o avanço da reforma da previdência, mas também do Projeto Anticrime.
Afora o fato de que a grande maioria dos especialistas condenou o Projeto de Lei Anticrime na sua quase totalidade, o que deve ser refletido em emendas e alongamento dos debates nas Casas Legislativas, para muitos o possível enterro da inicial do Ministro da Justiça poderia significar em uma grande derrota da agenda anticorrupção do governo Bolsonaro.
Muito já foi dito que o projeto do ministro Sérgio Moro tem maior foco na segurança pública no processo penal do que no enfrentamento da corrupção e do mal feito contra o erário público. Não obstante, a confusão entre a cria e o seu criador, publicamente reconhecido como uma figura emblemática no combate à corrupção, acabou por causar a falsa impressão de que o insucesso da iniciativa legislativa atrasaria o avanço da agenda anticorrupção do país.
A Câmara não é dependente do Poder Executivo para modernizar o Estado e aprimorar a legislação de combate à corrupção. Desde a legislatura passada, também sob a presidência do deputado Rodrigo Maia, a Câmara constituiu a Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações e a comissão de juristas, incumbida de elaborar propostas de aperfeiçoamento da Gestão Governamental e do Sistema de Controle da Administração Pública.
Em termos de legislação anticorrupção é possível destacar a proposta que prevê como sanção passível de aplicação para as empresas que incorrerem em atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção a venda compulsória do controle acionário no prazo máximo de dois anos.
Quanto aos aspectos de prevenção à corrupção, na proposta de reforma da legislação sobre licitações e contratos administrativos, são encontradas propostas que tornam facultativa a exigência de que empresas que participem de grandes licitações tenham, obrigatoriamente, o programa de integridade de que trata a Lei Anticorrupção.
No mesmo sentido, se propõe estabelecer a obrigatoriedade de aperfeiçoamento do programa de integridade e dos controles internos como sanção contratual, impondo mais dinamismo à gestão de riscos pelas empresas. Afora o aspecto repressivo das proposições legislativas, as comissões especiais da Câmara produziram farto material para buscar modernização do Estado e gerar mais eficiência governamental como a exigência de mais qualificação técnica e critérios de seleção mais apurados para candidatos a dirigentes de agências reguladoras e a proposição da prestação de serviços públicos pela via digital, em consonância com as tecnologias mais usuais.
Buscar mais segurança na atuação das agências reguladoras, dificultando o apadrinhamento político como critério singular de indicação de dirigentes, e eliminar burocracias desnecessárias pelo uso de tecnologias incorporadas na vida do cidadão, são fórmulas reconhecidas de evitar a prática de corrupção e outros crimes contra o funcionamento do Estado.
Há que se relembrar que também tramitam na Câmara as Novas Medidas contra a Corrupção da Transparência Internacional, que consistem em 84 proposições que buscam aprimorar legislações de várias naturezas que impactam de forma direta ou indireta na evitação e na prática de atos criminosos contra o Estado. A constatação de que a Câmara possui um vasto repertório de proposições que podem ajudar o país a avançar dá tranquilidade para, em tempos de crise política, a população poder ter consciência de que as importantes agendas do país não precisam parar.
(*) – É advogado, especializado em Direito Penal, presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB e Membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Compliance do Rio de Janeiro (ICRio).