João Alfredo Lopes Nyegray (*)
Brasil e Argentina são parceiros de longa data. Em 1821, o governo português, então instalado no Rio de Janeiro, foi o primeiro a reconhecer a independência argentina.
Logo após, em 1823, foram os argentinos os primeiros a reconhecer nossa independência. Essa parceria se desenvolveu desde então, e atualmente estende-se às áreas militar e de defesa, científica, política e também turística. Na economia, nossos relacionamentos têm suportado crises econômicas em ambos os lados, e em escala mundial. As exportações brasileiras para lá crescem ano a ano e, embora tenham sofrido uma queda em 2018, possuem perspectivas de retomada.
Ainda com o encolhimento do ano passado, as exportações para a Argentina superam largamente as importações – que também crescem com o passar do tempo. Nós somos cerca de 210 milhões. Eles, aproximadamente 50 milhões. Nosso PIB é maior, mas o Índice de Desenvolvimento Humano argentino supera o nosso. Ambos os países sofrem com a falta de liberdade econômica e precisam muito avançar nesse quesito. Somos unidos por uma linha de fronteira que se estende por algo em torno dos 1200 quilômetros.
Como se pode perceber, há muitos pontos de convergência, algumas semelhanças, outras diferenças, mas, sobretudo, um longo histórico de boa relação. Buscando perseverar com o bom relacionamento, o presidente Jair Bolsonaro fez sua primeira viagem oficial a Buenos Aires. Recebido pelo presidente argentino Mauricio Macri – em meio a alguns protestos pelas ruas da capital –, a pauta dos presidentes incluiu as negociações do Mercosul com a União Europeia, o livre comércio entre os países e ainda encontros entre empresários de ambos os países.
Bolsonaro cogitou a criação de uma moeda única para brasileiros e argentinos: o peso real.
O ministro Paulo Guedes, por sua vez, afirmou que a ideia da moeda única anima bastante os argentinos. Certamente, a inspiração da ideia veio do Euro, a moeda única europeia. A criação de uma moeda única para Brasil, Argentina e, eventualmente, para os demais membros do Mercosul, encontra – no entanto – um cenário muito diferente por aqui.
A União Europeia começa na década de 1950, num cenário de Pós-Guerra, com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que
evoluiu para Comunidade Europeia e, posteriormente, União Europeia.
Como se pode perceber, foi um processo de integração regional paulatino, apoiado por acordos em várias áreas, com a convergência de legislações e de políticas econômicas e públicas. O Euro entrou em vigor em 2004, após décadas de negociação e estudo, num momento de estabilidade econômica dos países do bloco.
Essa estabilidade econômica que caracterizava o cenário europeu quando da adoção do Euro não é vista por aqui. Argentina e Brasil passaram por recentes períodos de estagnação, elevado desemprego e crise fiscal. Recentemente o Banco Central Argentino elevou a taxa de juros para 60% ao ano (no Brasil a taxa está em 6,5%) e a inflação por lá ronda os 55% no acumulado dos últimos 12 meses. Para tentar sair da crise, os argentinos recorreram ao FMI e fizeram um empréstimo bilionário.
Tal situação torna a ideia da moeda única não apenas inviável, mas também indesejável. A própria viabilidade de uma moeda única depende de saúde econômica de ambos os lados, o que não se vê por aqui. Além disso, há a questão da necessária convergência de políticas econômicas, o que também não é fácil. Enquanto a União Europeia data da década de 1950, o Mercosul data de 1990. Há muito o que se integrar e evoluir antes de pensarmos num “peso real”.
Outro complicador da ideia é a impossibilidade da adoção de políticas cambiais independentes. Em momentos de crise, é comum que alguns países desvalorizem a própria moeda visando atrair investimentos, o que nem sempre acontece. A partir do momento em que uma moeda é compartilhada por mais de um país, essa desvalorização é inviável.
Não apenas podemos, mas devemos evoluir o Mercosul e a integração. Uma moeda única, nesse momento, certamente não é o caminho para isso. A busca pelo crescimento, pelo emprego e pela expansão do comércio internacional do bloco deve ser, ao menos por enquanto, a prioridade.
(*) – Advogado e bacharel em Relações Internacionais, Doutorando em Estratégia e mestre em Internacionalização, é professor dos cursos de Relações Internacionais, Comércio Exterior, Administração e Economia da Universidade Positivo.