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Os títulos de crédito privado e a necessária análise de risco

em Artigos
terça-feira, 25 de abril de 2023

Murilo Sibrão Bernardini (*)

Nos últimos anos, os títulos de crédito privado conquistaram um importante espaço entre as opções de renda fixa, seja como alternativa para gestores que buscavam melhores retornos para carteiras como para diversificação de grandes investidores institucionais. Enquanto o volume total de emissões do mercado de capitais caiu 11% no ano passado, as emissões de renda fixa atingiram o recorde de R$ 456,9 bilhões. O destaque ficou com as debêntures, que chegaram ao montante de R$ 271 bilhões.

Se analisarmos os dados históricos, podemos observar um avanço destas emissões desde 2015, com um recuo apenas em 2020, ano marcado pelo pior período da pandemia. Como a taxa básica de juros permaneceu em um dígito entre 2017 e março de 2022, direcionar parte das carteiras para os títulos de renda fixa privados tornou-se uma boa estratégia para as carteiras que buscavam superar o CDI.

A importância destes papéis também cresceu para os investidores pessoas físicas, tanto que a marcação a mercado dos preços de debêntures, CRIs e CRAs tornou-se obrigatória no início de 2023.

A marcação a mercado exerce um papel fundamental para evidenciar aos investidores a volatilidade dos preços. Consequentemente, ajuda-os a mensurar o risco de mercado destes ativos. Assim, o investidor sabe quando, de fato, receberá pelo seu ativo caso precise vendê-lo antes do vencimento.

Mas, a análise de um papel de renda fixa privada envolve mais detalhes que risco de mercado. O caso Americanas, que afetou drasticamente o mercado de renda fixa privada no início deste ano, mostra exatamente este ponto. Se o risco de mercado diz respeito à oscilação do valor do ativo – e as possíveis perdas que os investidores podem ter com a desvalorização do papel -, o risco de crédito, por sua vez, está diretamente ligado à possibilidade de o emissor não cumprir com as suas obrigações e não devolver os recursos para o investidor.

Situações como esta, de default de um ativo, não acontecem da noite para o dia e, nem tão pouco, com muitas empresas simultaneamente. No entanto, crises como a das Americanas desencadeiam uma série de consequências e afetam o comportamento de outros ativos e a própria decisão de investimentos de muitos gestores.

Se até pouco tempo valia a pena direcionar parte da carteira para a renda fixa privada em busca de alguns poucos pontos percentuais a mais na rentabilidade, hoje, gestores começam a repensar esta relação risco e retorno. E, neste ponto, outros ativos, que talvez não tenham risco de crédito elevado, também sofrem os impactos negativos.

O comportamento do mercado de renda fixa privada no mês de fevereiro acendeu o sinal de alerta. De acordo com dados da ANBIMA, apesar de as debêntures ainda liderarem as emissões no mercado de capitais, o volume caiu de R$ 18,7 bilhões em janeiro para R$ 6,6 bilhões, um recuo de 64,7%. Se comparar com fevereiro de 2021, a queda também supera a marca de 60% (64,5%).

Com um investidor mais avesso ao risco, as empresas devem sofrer com a dificuldade em captar recursos via emissão e, consequentemente, pode-se esperar um aumento nos prêmios das novas emissões. Por outro lado, abre-se a oportunidade de se avaliar boas opções de investimentos, seja para os papéis negociados no mercado secundário como para emissões com taxas mais elevadas.

Ou seja, para os próximos meses, o mercado de crédito ainda estará difícil, as captações difíceis e as perspectivas também. Porém, seja de um lado ou de outro, o importante é não deixar o mercado de renda fixa privada se retrair e perder o importante avanço dos últimos anos. O mercado financeiro e a economia como um todo agradecem.

(*) É Consultor de Investimentos da LUZ Soluções Financeiras