Renan Cola (*)
Quem nunca tentou convencer alguém a realizar alguma benesse em benefício próprio que atire a primeira pedra. Na Bíblia, coleção de textos e livros sagrados destinados a difundir sabedorias ancestrais a diversas religiões mundo afora, até Jesus, filho de Deus, fez uso do seu poder celestial para arrebanhar com gotículas de água benta a sua legião de seguidores fiéis. Em João, o mais novo dos 12 discípulos do altíssimo, a frase proferida pelo messias foi direta e reta quando se tratava de oferecer às pessoas um motivo todo especial que as fizessem crer nas suas palavras e, consequentemente, na sua doutrina: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele […]. Quem comer este pão viverá eternamente”. Já em Mateus, antigo coletor de impostos do povo hebreu, na tentativa de advertir os seus pupilos sobre a dificuldade que enfrentariam à frente da caravana em prol da palavra da salvação, os vocábulos nunca foram tão sacros: “não busqueis as coisas deste mundo, mas buscai primeiro edificar o reino de Deus […] e todas essas coisas vos serão acrescentadas”. Ainda, no evangelho de Marcos, fundador da Igreja de Alexandria, cidade de 5,2 milhões de habitantes e que comporta o maior porto do Egito, o nazareno não mediu esforços para dizer a um transeunte que, caso ele tivesse fé, o seu filho seria liberto do espírito maligno que tomara conta de seu corpo. Para isso, aferiu o verbete: “Tudo é possível àquele que crê”. E o que dizer do que foi redigido em Lucas, o “médico-amado”, autor do Terceiro Evangelho? Com o objetivo de acalmar um cidadão afortunado que acabara de se desfazer de suas posses para seguir a pomba esvoaçante do Divino Espírito Santo, lá se fora outro versículo: “Ninguém que tenha deixado casa, mulher, irmãos, pai ou filhos […] deixará de receber a vida eterna”. Percebe que, em todas as dicções citadas acima, existe uma promessa tentadora aferida pelo emissor da mensagem? É ela que mexe com a cuca dos indivíduos de bem, fazendo com que eles se apeguem, e com louvor, à expectativa de que um dia conseguirão obter aquela proeza inestimável, mesmo que se trate apenas de mais um milagre oriundo das terras de Jerusalém. Na visão de Robert Cialdini, professor de psicologia e marketing da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, a explicação para o fenômeno é simples. Para ele, as promessas, sejam elas verbais ou escritas, aludem à fantasia que o ser humano nutre de viver para sempre no mundo ideal. Aquele que, no passado remoto, foi retirado de si pelas mãos de um obstetra. Assim, quando alguém faz uma jura a outrem, a pessoa que a recebe entra em uma espécie de devaneio inconsciente temporário, transportando-se para o período uterino. Pois foi lá, nos primeiros meses de vida, que houve a inscrição referente ao paraíso psíquico: um lugar repleto de barulhinhos, água quentinha, comidinha abundante e um colinho devidamente confortável. Por conta deste motivo, é mais fácil ser promovido, ou levar 2,8 bilhões de cidadãos do globo a se converterem em cristãos, quando se oferece ao outro a possibilidade de delirar. No caso de Jesus, quem não faria qualquer coisa para viver para sempre? Já para o empregado, por que não aplicar as dicas a seguir e dar a ele a chance de ressuscitar a sua carreira no terceiro dia? Tão logo, para subir aos céus mais rápido, em vez de mostrar ao chefe os resultados alcançados nos últimos tempos, experimente atrelá-los aos números que entregará no futuro. A medida fará com que o seu superior entre no modo fantasioso de pensamento, acreditando que estará nas suas mãos a transformação da água em vinho que ele tanto pediu ao Criador. Existe um problema na firma que ninguém dá conta de resolver? Tente comprometer-se com o seu gestor, afirmando ser a pessoa adequada para resolvê-lo. Para isso, apresente as qualificações que o tornam ideal para resolver o empecilho, estipule um prazo para entregar a tarefa com louvor e veja bem de perto o milagre da multiplicação dos pães acontecendo. A gestão não tem aprovado os seus projetos, impedindo o crescimento dentro da empresa? Ouse estreitar o relacionamento com as partes interessadas, garantindo a elas, por exemplo, que será o colaborador responsável por organizar o happy hour daquele mês. Verá que, por agora gostarem mais de você, será o novo Moisés, capaz de abrir até o Mar Vermelho. Terminou as tarefas e está com tempo livre? Faça bom uso do ócio. Crie uma apresentação em que é capaz de apontar um novo jeito de otimizar os processos que alguma outra área da companhia é encarregada. Mostre os seus argumentos, amarrando-os ao compromisso de obter um número tangível em um certo período: mais poderoso que criar o mundo em 7 dias. Por fim, caso tenha esgotado suas preces, só resta a você o último suspiro antes do apocalipse. Recolha um casal de cada espécime animal que habita neste planeta, construa uma grande e imponente arca, entre nela, aponte para outra oportunidade e reme. Afinal, você pode não ser Noé, mas antes que a empresa afunde, aproveite com a bicharada bem longe dali. Amém.
(*) É psicanalista.