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O tratamento dado ao endividamento frente ao cenário de crise

em Artigos
terça-feira, 21 de julho de 2015

Angelo Antonio Picolo (*)

Nos últimos anos vimos um aumento no poder de consumo das famílias brasileiras, muito em razão da desburocratização do acesso fácil ao crédito.

Ocorre que, com a economia em crise, a consequência vem sendo o aumento do número de brasileiros endividados. Um levantamento do Banco Central mostra que 16,6% de todo o crédito renegociado com os bancos estavam com os pagamentos atrasados por até 90 dias. Este é o pior índice desde 2013. Conforme pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), em fevereiro deste ano, 48% das pessoas que renegociaram as dívidas disseram que estavam com parcelas atrasadas. Para se ter uma ideia do atual cenário, a inadimplência dos consumidores em março deste ano avançou 3,76% frente a 2014.

Em razão destes preocupantes números, torna-se necessário discutir o tratamento sobre o endividamento do consumidor no direito brasileiro, em especial, o projeto de lei 283/12, em andamento no Senado, o qual, mediante a inserção no Código de Defesa do Consumidor de novos artigos, pretende criar, por assim dizer, a recuperação judicial ou reerguimento econômico-financeiro do consumidor.

Com isto, instaurar-se-á no Brasil um tríplice procedimento para cuidar da insolvência, a saber: a insolvência civil, disciplinada nos artigos 748 e seguintes do CPC (Código de Processo Civil); a falência, a recuperação judicial e a extrajudicial (Lei n. 11.101/2005), e a conciliação no superendividamento, objeto da reforma do CDC.

Para tanto, o respectivo projeto acatou no seu artigo 104-A o procedimento da conciliação, de inspiração francesa, como meio para repactuar o devido. Neste procedimento, o consumidor apresentará um plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, preservando o mínimo existencial. A orientação, todavia, afasta-se da orientação mais moderna, acatada pela maioria dos países.

Enquanto a tendência atual (como fazem ver a Alemanha, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Suíça, entre outros) é tratar da insolvência, tanto dos empresários, como das pessoas naturais (inclusive consumidores e profissionais liberais) em texto único, o direito nacional segue com a minoria (assim Itália e Grécia), cuidando do consumidor em texto a parte. Prossegue, ainda com a minoria, quanto ao invés de dedicar a disciplina à pessoa natural (de molde a abranger os profissionais liberais), circunscreve o tratamento ao consumidor, trazendo o tema para o microcosmo do CDC.

Neste microcosmo, o tratamento não é melhor, pois, tratar o consumidor como vulnerável não é o melhor caminho, como restou demonstrado em outros países, como nos Estados Unidos, onde em 2005, houve a promulgação do Bankruptcy Abuse Prevention and Consumer Protections Act, que, dentre outros objetivos, visou desestimular o oportunismo de consumidores quanto ao uso do instrumento previsto em lei para a proteção do superendividado.

Após esta reforma, a Justiça norte-americana passou a negar o acesso de consumidores ao procedimento, caso não completasse um curso em administração financeira, o qual só poderia ser dispensado em circunstâncias excepcionais. Outras são as exigências, como a demonstração de boa-fé, os motivos de seu endividamento, etc.

Por último, o consumidor norte-americano; após demonstradas as razões de seu superendividamento e a impossibilidade do cumprimento integral de um plano de renegociação sem que afetasse sua subsistência e a de sua família; pode ser perdoado de parte da dívida, retomando sua vida normalmente. Todavia, se concedido tal benefício, o devedor só poderá se valer de outro pedido para sanar seus débitos após oito anos.

Percebe-se da breve análise que a ideia de fundo, mais do que a recuperação social do consumidor devedor, deve ser sua reinserção no mercado, concedendo-lhe, novamente, poder de compra. Porém, o benefício só poderá ser concedido ao devedor após o mesmo cumprir diversas exigências definidas em lei.

(*) – É advogado empresarial. Sócio do escritório Durvalino Picolo Advogados Associados. Mestre em Direito Comercial pela USP.