Orlando C. Sbrana (*)
O regente que comandava a orquestra do impeachment no Senado, Ministro Ricardo Lewandowski, cometeu um erro “crasso” na fatídica tarde de 31.08.2016 ao determinar o fatiamento das votações que decidiram sobre perda do mandato presidencial e a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos de Dilma Rousseff.
O artigo 52, parágrafo único, da Constituição Federal dispõe que nos casos de impeachment, funcionará como dirigente da sessão de julgamento o Presidente do STF, que se limitará apenas a condenação, sendo proferida, tão somente, se a votação alcançar o quórum qualificado de 2/3 dos Senadores da casa. A consequência dessa decisão acarreta para o chefe do executivo impedido a perda do cargo, com a consequente inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.
Esse é um dispositivo constitucional considerado de simples intelecção e em razão disso nunca antes havia sido questionado. Nele está patente de que a condenação do Presidente da República pelo Senado, irrefutavelmente acarreta ao sentenciado um duplo apenamento; a perda do cargo e a inabilitação temporária para o exercício de função pública. Vê-se, portanto, que essa punição bifrontal é compulsória e uma decorrência lógica da condenação no impeachment, não representando um “bis in idem”.
Entretanto, no julgamento de Dilma Rousseff, o Ministro Ricardo Lewandowski acatou um pedido dos aliados da defesa, para separar em duas votações distintas as sanções que seriam cominadas à ré. Aludida manobra é conhecida no meio político e tem a denominação de “destaque”, com previsão expressa no Regimento Interno do Senado.
O resultado dessa medida foi que em primeira votação, relativa ao afastamento definitivo do cargo presidencial, Dilma foi condenada pelo voto de 61 senadores, dos 81 presentes. Porém, relativamente à punição de inabilitação de função pública por oito anos, ela recebeu 42 a favor da sanção, 36 contrários, sendo que 3 senadores de abstiveram de votar.
Com esses resultados, Lewandowski precipitadamente proferiu sua sentença condenando a ré à perda no cargo de Presidente da República, mas absolvendo-a da pena de inabilitação temporária para o exercício de função pública.
Muito embora seja gritante a impossibilidade do desmembramento do disposto no artigo 52, parágrafo único, da Constituição Federal em duas punições separadas. Ainda que se aceite esse fatiamento ocasionando duas votações, o erro fulcral de Lewandowski, não resultou dessa sua decisão, decorreu especificamente da apuração equivocada dos votos dos Senadores na segunda votação.
Ao fazer a contagens dos votos para a perda do cargo presidencial, eram necessários para a condenação no mínimo 54 votos a favor, na ocasião 61 Senadores concordaram com isso. Contudo, para a inabilitação de exercício de função pública, por ser uma decorrência lógica da primeira sanção, para Dilma não ser inabilitada, o raciocínio deveria ser inverso, ou seja, precisaria ela de no mínimo 54 votos (2/3) a favor do seu não apenamento. Em segunda votação ela obteve somente 36, dos 81 Senadores presentes, menos do que os 2/3 necessários.
Diante disso, percebe-se nitidamente que o ministro Ricardo Lewandowski incorreu em “error in judicando” na contagem dos votos do segundo pleito, devendo o resultado ser declarado absolutamente nulo, caso haja judicialização da matéria.
É, parece-nos que o maestro não soube interpretar sua partitura, deixou batuta cair e acabou desafinando toda filarmônica.
(*) – É professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie/Campinas e doutor em direito pela Faculdade de Direito da USP.