Allan Gallo Antonio (*)
É bem provável que a frase título do presente artigo seja uma das mais famosas no mundo da economia.
Escrita pelo economista inglês, John Maynard Keynes (1883-1946), em seu livro “Tratado sobre a Reforma Monetária” (A Treatise on Monetary Reform) escrito em 1923, a frase resume bem o coração da teoria econômica conhecida atualmente como keynesianismo. Em termos técnicos muito pode ser dito sobre a teoria econômica keynesiana, no entanto, para o propósito do presente artigo e também para fugirmos do economês, basta dizer que Keynes (ao contrário dos economistas neoclássicos) não acreditava no ajuste automático entre produção e procura, rendimento e demanda ao nível do pleno uso de recursos.
Portanto, é necessário, que o Estado intervenha na economia para sustentar e regularizar a atividade econômica sempre que houver um descompasso na economia que leve a um equilíbrio abaixo do pleno emprego dos recursos. Pode intervir na economia de diversas formas, mas uma das mais conhecidas se dá por meio da política de expansão monetária, ou seja, pela impressão de mais dinheiro.
Da perspectiva do governo à primeira vista pode parecer que em tempos de crise como a que estamos vivendo agora em decorrência do covid-19, a impressão de mais dinheiro é a alternativa mais rápida e mais altruísta para lidar com os efeitos avassaladores da crise. No entanto, é preciso entender que como qualquer outro bem na economia, o dinheiro também está sujeito às leis da oferta e da demanda. Em termos mais práticos, quanto maior a oferta de determinado bem, menos ele valerá. Isso também se aplica ao dinheiro.
Quando o Estado resolve intervir na economia por meio de uma política de expansão da base monetária (impressão de dinheiro) a consequência a médio-longo prazo é invariavelmente a inflação. Como existe mais dinheiro circulando no sistema, os preços da maior parte dos bens disponíveis na economia também sobem. Essa é a chamada inflação. De modo geral, os economistas costumam medir a inflação pelo Índice de Preços ao Consumidor, o que é o mesmo de dizer que por meio da variação dos preços experimentada pelo consumidor ao longo do tempo é possível auferir qual é a inflação.
Apenas para se ter uma ideia, já é algo bem documentado nos livros-texto de economia, que nos Estados Unidos nos últimos 70 anos os preços subiram em média 4% ao ano. Somente naquele país essa inflação de 4% ao ano levou a um aumento de 16 vezes no nível geral de preços. No Brasil, por sua vez, com sua tradição de governos interventores na economia, somente nos anos de 1999 a 2019, a inflação oficial acumulada pelo IPCA somou 240%.
As consequências de médio-longo prazo da impressão de mais dinheiro são bem conhecidas hoje e já eram conhecidas também na época de Keynes. Prova disso é a frase citada logo no início do texto, onde o economista inglês afirma que “no longo prazo estaremos todos mortos”. A verdade é que, devido a sua abordagem de curto prazo e em termos de circuito, Keynes nunca se preocupou com o longo prazo, mas somente com os mecanismos que estão na origem do subemprego e com as políticas suscetíveis de evitar o desemprego no âmbito de uma sociedade capitalista.
Trazendo o problema para o contexto brasileiro mais próximo, no último dia 8, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em entrevista para a britânica BBC, defendeu a impressão de moeda ao dizer: “O Banco Central tem grande espaço de expandir a base monetária, ou seja, imprimir dinheiro, na linguagem mais popular, e, com isso, recompor a economia. Não há risco nenhum de inflação nessa situação”. A competência técnica do atual Secretário da Fazenda de São Paulo é indiscutível, no entanto, uma variável importante não foi levada em conta por ele em sua proposição.
É sim verdade que, no curto prazo, a expansão da base monetária não trará inflação, especialmente se tratando de um período de contração da economia, no entanto, tão logo a economia retome suas atividades e o dinheiro volte a ter seu fluxo normal dentro do sistema, as consequências serão inevitáveis: aumento da inflação, perda do poder de compra e diminuição real do valor dos salários (ainda que não nominalmente).
Num contexto de crise, Meirelles parece ceder aos encantos da teoria keynesiana, muito embora seja classificado como um liberal por muitos. É inegável que o clamor por respostas imediatas e de curto prazo do Estado é muito forte, sendo necessário certo sacrifício de reputação para não ceder a elas. Por vezes é preciso ficar do “lado mal” da história temporariamente para não ceder ao populismo, um preço que nem todos estão dispostos a pagar.
Se por um lado a opção keynesiana é sim uma das políticas econômicas disponíveis na mesa, é preciso que a população entenda os efeitos não apenas de curto, mas também de longo prazo. Injetar dinheiro hoje na economia trará consequência nefastas daqui um tempo, principalmente para a população mais carente – última a receber o dinheiro injetado. Tal qual tudo na vida, escolhas de políticas econômicas têm consequências e não é possível escapar delas. por isso, é fundamental que o cidadão compreenda as causas e consequências do jogo político e econômico, para que se emancipe e possa participar conscientemente do momento social em que vivemos.
Ainda que no longo prazo todos estejamos mortos, como afirmou Keynes, ainda sim somos responsáveis pelo tipo de sociedade que construímos e por aquilo que legamos à próxima geração. Em tempos de pandemia, valores como fraternidade, altruísmo e empatia também deveriam se estender aos que virão depois de nós.
(*) – Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestrando em Economia e Mercados pela mesma instituição, é pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.