Murilo Aires (*)
A COP26 reacendeu as discussões sobre o mercado de carbono.
Esse é um assunto fomentado no Brasil pela tramitação na Câmara, em regime de urgência, do projeto que dispõe sobre a regulamentação do denominado Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. Os créditos de carbono consistem em reduções quantificadas de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), as quais são certificadas conforme padrões e critérios técnicos.
Nesse mercado, esses registros são convertidos em títulos e negociados com agentes interessados. Um grande exemplo de solução à questão climática pelos créditos de carbono é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e o Comércio de Emissões, definidos pelo Protocolo de Kyoto (1997). No MDL, atuantes dos países em desenvolvimento podem submeter projetos de redução de emissões, os quais geram Reduções Certificadas de Emissões.
Estas podem ser comercializadas, por exemplo, com países desenvolvidos que, a partir desses títulos, negociam compensações no CIE para manter as metas junto ao tratado. O que se vislumbra com tais medidas é a institucionalização de um mercado global de créditos de carbono, no qual iniciativas de redução de emissões, fomentadas por um interesse comercial envolvido, compensem excedentes, gerando um equilíbrio ou mesmo uma diminuição de GEE. Além disso, há uma expectativa de geração consequente de oportunidades de negócios, de empregos e de renda.
A solução mercadológica é criticada por parte dos ambientalistas, sob o argumento fundamental de que as possibilidades de compensação gerariam apenas a legitimação das emissões excessivas dos países desenvolvidos, os quais apresentam dificuldade histórica em diminuir os volumes. Dado o potencial energético e as possibilidades naturais de realização de projetos de redução de emissões, o Brasil tem se apresentado como grande interessado no desenvolvimento desse mercado.
O artigo 6º do Acordo de Paris, realizado em 2015 na COP21, promoveu um novo fator determinante à matéria, ao dispor pela possibilidade das partes signatárias optarem pela cooperação de maneira voluntária para a implementação das contribuições nacionalmente determinadas, falando expressamente da possibilidade do “uso de resultados de mitigação internacionalmente transferidos para fins de cumprimento das contribuições nacionalmente determinadas”.
No entanto, a abrangência da disposição acabou por requerer uma regulamentação dos termos, o que foi adiado para negociações futuras. Na COP26 foram abordadas algumas importantes controvérsias instaladas sobre a questão, o que determinou a criação do mercado global de carbono e destrinchou algumas das lacunas preexistentes deixadas pelo Acordo de Paris, como o limite de certificações precedentes – emitidas entre 2013 e 2020 – que poderiam ser utilizadas.
No Brasil, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões está previsto no art. 9º da Lei nº 12.187/09, ainda carente de regulamentação. Sabe-se da importância de melhores determinações jurídicas sobre o funcionamento para conferência de mais segurança aos agentes, fomentando a adesão ao mercado. Esta é a justificativa principal do PL 528/21.
A fim de estruturar as negociações desse mercado, o projeto busca conceituar e determinar a natureza jurídica dos créditos de carbono, estabelecer o regime de contabilização nos termos do Acordo de Paris, determinar a fungibilidade dos ativos de carbono, dentre outros temas. No texto atual do projeto, os créditos de carbono são definidos como “título de direito sobre bem intangível, incorpóreo, transacionável, fungível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de carbono equivalente”.
Cria-se, ainda, o Sistema Nacional de Registro de Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que apenas reconheceria e contabilizaria os créditos de carbono e transações nele registrados. A estruturação do mercado global de carbono tende a favorecer o desenvolvimento das negociações ao supostamente atribuir mais segurança aos agentes, embora os efeitos da abordagem mercadológica da questão ambiental sejam relativamente imprevisíveis tanto em relação ao viés financeiro, quanto ao que tange aos reais efeitos sobre um equilíbrio e diminuição das emissões.
(*) – Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP e graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp – Franca, atua na área de direito empresarial do escritório Dosso Toledo Advogados.