Gaudêncio Torquato (*)
Os Países são expressões geográficas e os Estados são formas de equilíbrio político. E o que é a Pátria?
É sincronismo de espíritos e corações, aspiração à grandeza, comunhão de esperanças, solidariedade sentimental de uma raça. Enquanto um País não é Pátria, seus habitantes não formam uma Nação. Este breve resumo, pinçado de um dos mais belos ensaios morais sobre a mediocridade, de autoria de José Ingenieros, cai muito bem nesse momento em que o discurso do ódio jorra nos espaços sociais, ecoando nas redes eletrônicas, onda alas e militâncias desferem tiros uns contra outros.
Teremos pela frente um processo eleitoral que fluirá em ondas de impropério e, em grossas camadas de fake news, alimentadas por grupelhos contratados para sujar perfis. Dessa forma, estaremos muito distantes da Pátria, o abrigo espiritual de nossos mais puros sentimentos.
O desenho na paisagem não é dos mais bem compostos. Tensões amplificam uma guerra surda entre os Poderes. O Judiciário, até então elevado aos píncaros da respeitabilidade, deixa ver querelas entre seus membros, como se fosse um arquipélago de 11 ilhas, cada qual com seus arsenais e dando estocadas recíprocas.
O Executivo, esforçando-se para pôr a máquina em funcionamento, tenta fazer o milagre da multiplicação dos pães, dispondo recursos para programas e emergências, como o caos da insegurança no Rio de Janeiro, e repartindo verbas aos partícipes de partidos. O Legislativo, vendo-se na obrigação de dar conta de uma pesada agenda temática, procura se ajustar à realidade eleitoral, onde teremos campanhas curtas e mais competitivas.
Nunca se viram tantas interrogações. Quem serão os candidatos? O ex-presidente Lula continuará preso? Bolsonaro conseguirá sustentar o alto índice de intenção de voto? A descrença nas instituições se espraia vertiginosamente, sob a teia de imoralidade que se descobre no bojo da Operação Lava Jato. Injustiças ganham corpo, com prisões arbitrárias feitas sob a justificativa de se ouvir depoimentos.
A barbárie continua a se embrenhar na selva das nossas mazelas. A modernidade que se enxerga aqui e ali, nos grandes centros e até no interior do País, simbolizada por avanços da eletrônica, pela capacidade de produzir bens e serviços sofisticados, pela revolução nas comunicações, na moda, na cultura e nos costumes, não consegue passar a borracha no nosso analfabetismo funcional (que atinge 25% de brasileiros).
Temos um território com rique-zas devastadas pela ambição. Desintegram-se padrões de relacio-namento social e valores fundamentais, como o culto à família, o cumprimento do dever, o respeito às tradições e a defesa do bem comum. A violência deixa o terrível saldo de 66 mil mortes por ano, vítimas de arma de fogo. Como podemos falar em Pátria, se a paisagem por todos os lados exibe aparatos policiais deteriorados, 13,5 milhões de desempregados, capitais e grandes cidades vivendo sob intenso medo?
É verdade que o país, em menos de um ano, saiu da mais profunda recessão econômica da contemporaneidade, e importantes reformas foram feitas para fechar o buraco que o dilmismo abriu no território. Mas o Brasil não escapa à desordem geral que sacode grandes Nações. Vê-se uma inversão moral tomando conta do mundo, algo que Samuel P. Huntignton designa como o paradigma do “puro caos”: a ruptu¬ra da ordem, a anarquia crescente, a onda global de criminalidade, a debilitação geral da família e o declínio na solidariedade social.
O momento se presta a uma assepsia. O corpo parlamentar a ser eleito há de se conscientizar que mandato ganho nas urnas pertence ao povo, não lhe pertencendo. O País precisa reinstalar o império da ordem. Com representantes estribados no escopo da ética e de compromissos. Urge fazer uma campanha eleitoral mais séria.
A fé precisa volta a brotar nos corações.
(*) – Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato.