Elisa Junqueira Figueiredo (*) e Marjorie Braga Helvadjian (**)
A Constituição Federal confere às crianças e aos adolescentes tratamento prioritário para a efetivação dos direitos inerentes à vida, educação, convivência comunitária, dignidade, alimentação, lazer e saúde. Além disso, dispõe ainda que os responsáveis devem zelar pelos cuidados e bem-estar dos menores. Ambos são princípios essenciais que norteiam o Direito de Família, para que decisões judiciais sempre priorizem o interesse da criança ou do adolescente. Contudo, a decretação da pandemia e as recomendações de isolamento apresentadas pela Organização Mundial da Saúde geraram inúmeras mudanças de hábitos no convívio social, impactando as relações familiares.
Diante disso, o Poder Judiciário se vê obrigado a interpretar referidos princípios à luz da crise pandêmica, para que seja possível solucionar as adversidades que surgiram e surgem como resultado da Covid-19.
Dentre elas, encontram-se as seguintes questões: como dividir as responsabilidades parentais durante a quarenta? Como manter a convivência compartilhada em tempos de isolamento social? E a dificuldade econômica enfrentada pelo País, pode afetar o valor devido a título de pensão alimentícia?
Não há normas jurídicas específicas com relação ao atual momento. Todavia, já existem decisões judiciais suspendendo ou ajustando a convivência compartilhada, temporariamente, em situações que há risco de contágio dos envolvidos com o leva e traz de uma casa para a outra.
Muitas das decisões, inclusive, ressaltam que, caso suspensa a convivência compartilhada, os guardiões poderão permitir o contato da criança/adolescente virtualmente, preservando-se a relação afetiva com aqueles que não podem estar presentes. Além disso, genitores que estejam expostos ao vírus frequentemente, como os profissionais da saúde, podem vir a ter, de forma temporária, restrição ao direito de convivência com o filho comum.
Com relação à pensão alimentícia, o Poder Judiciário tem decidido com a mesma cautela. Não há dúvidas de que a crise pandêmica tem impactado o estado econômico do País, ou seja, é possível que o provedor de alimentos tenha sua renda reduzida, se não perdida por completo.
A fixação da pensão alimentícia deve sempre observar a possibilidade econômica de quem paga e a necessidade de quem pleiteia, razão pela qual, nesta hipótese, seria justificável a reavaliação do valor, o que tem sido verificado pelo Poder Judiciário, a depender do caso concreto. No entanto, a perda da capacidade financeira não pode ser presumida e a readequação da pensão alimentícia não poderá ser automática, devendo o Poder Judiciário analisar caso a caso.
Ressalta-se que o Projeto Lei nº 1179/20, pendente de apreciação pelo Senado Federal, prevê que até 30.10.2020, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, a fim de se evitar o contágio dentro do estabelecimento prisional.
Existe um receio de que mesmo com o abrandamento da situação financeira ruim do devedor, a inadimplência permaneça, prejudicando aquele que depende da obrigação alimentar. Todavia, referidas providências são medidas transitórias emergenciais adotadas para preservar a sociedade durante a pandemia. Diante desse cenário, ante ao impacto direto da pandemia no Direito de Família, é certo que a solidariedade e o bom senso devem ser os principais fundamentos a serem utilizados em todas as pretensões e decisões, buscando, sempre, a solução amigável e a preservação das relações e laços familiares.
(*) É sócia do FF Advogados, responsável pelas áreas de Direito privado com foco em contratos, contencioso cível, arbitragem, imobiliário, família e sucessões. [email protected]
(**) É advogado do FF Advogados, atua nas áreas de Contencioso cível e imobiliário. [email protected]