Cíntia Fernandes (*)
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão de fevereiro último, determinou que empregado concursado de empresa pública não pode ser dispensado sem motivação. No julgamento, prevaleceu o entendimento de que o empregado público dispensado sem justa causa tem direito de ter conhecimento dos motivos que embasam seu desligamento, seja por questões de desempenho inadequado, seja por metas não alcançadas, necessidade de ajuste orçamentário, ou qualquer outra razão.
Portanto, ainda que não tenha cometido falta grave, o empregado público pode ser dispensado. Todavia, é necessário apresentar uma justificativa para o fim da relação contratual. Além disso, o STF entendeu não ser obrigatório processo administrativo prévio, diferentemente do regime estatutário. Neste, um servidor público somente pode ser demitido após condenação por ato ilícito em processo administrativo disciplinar, com direito a contraditório e ampla defesa.
A esse respeito, a distinção entre empregados públicos e servidores públicos merece destaque. O empregado público, embora seja contratado após aprovação em concurso público, está sujeito à legislação trabalhista. O servidor público, por sua vez, é regido pelas normas do estatuto do servidor público (Lei No. 8.112, no caso dos servidores do Poder Executivo Federal).
No âmbito da legislação trabalhista, o empregador detém o chamado poder potestativo. Esse poder lhe confere o direito de contratar e desligar empregados sem necessidade de motivação, desde que a contratação ou o desligamento não sejam discriminatórios.
Especificamente em relação aos empregados públicos, apesar da necessidade de aprovação em concurso, o vínculo de emprego que possuem não lhes confere direito a estabilidade absoluta.
A controvérsia levada ao STF surge porque o empregado público está submetido a um regime híbrido. Seu ingresso na Administração Pública indireta se faz mediante regras de direito administrativo, mas a relação de trabalho é regida pela legislação trabalhista.
Ocorre que o regime aplicado ao empregado público não é exclusivamente privado, uma vez que também incidem regras do direito público.
Desse modo, além do ingresso por concurso, o empregado público está submetido aos princípios da Administração Pública, tais como motivação, impessoalidade, finalidade, legalidade, moralidade e outros. Diante desse contexto, a dispensa imotivada do empregado público apresenta-se incompatível com os referidos princípios. A decisão do STF, em julgamento de recurso extraordinário (RE 688267), ao chancelar a necessidade de motivação, representa um avanço há muito aguardado.
Por outro lado, a exigência de processo administrativo aproximaria ainda mais a dispensa do empregado público aos princípios administrativos que regem a Administração Pública.
Um ponto relevante sobre a necessidade de motivação da dispensa consiste na vinculação do empregador ao motivo declarado.
Isso produz efeitos significativos, uma vez que é amplamente pacificada no Poder Judiciário a teoria dos motivos determinantes, segundo a qual, mesmo que o agente tenha atuado nos limites de sua discricionariedade, fica vinculado aos motivos invocados para o ato administrativo.
Dessa forma, uma vez que o empregado seja capaz de demonstrar a inexistência ou a falsidade dos motivos que levaram à sua dispensa, o ato será declarado inválido, abrindo espaço para o retorno do empregado ao statu quo ante, com a reintegração ao emprego.
(*) – É advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.