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Devolução de imóveis cresceu em 2015

em Artigos
sexta-feira, 15 de abril de 2016

Marcelino David (*)

O distrato, que é denominado “cancelamento do contrato de compra e venda de imóvel”, é previsto em lei.

O aumento de R$ 512 milhões no volume de distratos registrados em 2015 versus 2014, aproximadamente 8,5%, pode ser explicado principalmente pelas condições mais restritivas na concessão do crédito imobiliário, pela elevação nas taxas de juros e pelo cenário econômico recessivo. O distrato ocorre, com maior frequência, na entrega das chaves, momento em que o Cliente até então pagou as parcelas da construtora e se submete a uma avaliação de concessão de crédito perante a uma instituição financeira com o objetivo de conseguir o financiamento para a compra do imóvel.

Vemos que, diante da dificuldade em assumir as prestações do financiamento bancário ao tomar posse das chaves, muitos optam pelo cancelamento do contrato, por vários motivos. Há poucos estudos de avaliação das causas raiz do problema, pois normalmente não se questiona o cliente quanto ao motivo pela solicitação do distrato; sabe-se que uma piora no cenário econômico contribui significativamente para tal decisão.

A decisão pela aquisição de imóvel é de longo prazo e, diante de um quadro econômico desfavorável, com aumento do desemprego e piora nas condições de financiamento, cabe lembrar que em 2015 o percentual máximo de empréstimo era de até 50% do valor do bem, para bens de até R$ 750 mil, isso pela Caixa Econômica Federal – responsável por grande parte do financiamento para a compra da casa própria no país. Tal condição foi alterada no período subsequente, para o patamar de 70%, contudo essa situação prevaleceu em 2015.

O distrato, que é denominado “cancelamento do contrato de compra e venda de imóvel”, é previsto em lei pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor. Ainda, a rescisão contratual acaba sendo desfavorável para ambos. De um lado o comprador tem a devolução de cerca de 50% a 70% do valor pago, existe uma jurisprudência em torno dessa questão. O valor pode ser ainda menor para o cliente, o que resulta em perda financeira, além da frustração de ter o sonho da casa própria adiado.

Além disso, existem outros motivos para a decisão de romper o contrato, que pode estar atrelada a perda de valor do bem. Nesse caso, o investidor passa a considerar as “curvas de indiferença” que aprendemos na economia, ou seja, avalia outras modalidades de investimento com o mesmo patamar de risco e opta por rescindir o contrato e migrar para outro ativo, com remuneração próxima a Selic, por exemplo, que atualmente é de 14,25% aa. Essa situação é diferente do comprador que busca adquirir a casa própria, ela é característica do investidor, que pode ter avaliado que devido ao desaquecimento do mercado imobiliário o benefício desses “custos de transação” em trocar por outro investimento teria valido a pena.

Do lado da construtora, apesar de reter parte do valor recebido de 30% a 40% em média, tem o seu fluxo de caixa alterado, além aumento no estoque de imóveis e uma piora nos indicadores de crédito, uma vez que essa situação reduz os recebíveis. Além disso, a construtora incorrerá em maiores despesas de marketing, comissão de corretagem e outras operacionais para ter novamente a unidade comercializada.

Um incremento anual de R$ 0,5 bilhão sobre o saldo de R$ 5,9 bilhões é muito significativo e piora o quadro para as construtoras, que durante 2005 registrou fortes quedas no valor de mercado de suas ações, muitas abaixo do valor patrimonial. Apesar de reduzir o volume de unidades comercializadas, uma das medidas já adotadas por algumas construtoras está na melhor seleção do comprador, com uma avaliação mais precisa da sua situação financeira e da capacidade de pagamento. Muitas construtoras já fazem avaliação conjunta com os bancos, com critérios mais rígidos, numa tentativa de antever problemas na liberação do crédito.

Estancar o crescimento do volume de distratos não é tarefa fácil, pois depende de melhora nos indicadores econômicos, como nível de emprego, redução da taxa de juros e nas condições de crédito, portanto fatores que não são controlados totalmente pelo setor, e sim atribuídos ao risco sistêmico.

(*) – É Professor de Finanças na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Consultor Imobiliário em São Paulo.