Mariana Vasconcelos (*) e Gabriela Rollemberg (**)
Mais do que nunca, é crucial compreender que a diferença entre homens e mulheres é cultural, não biológica, influenciada por forças políticas e históricas. A discussão sobre o estatuto social feminino nos séculos 18 e 19 destaca como a supremacia masculina, justificada por diferenças físicas, remonta à Revolução Francesa. Isso revela que a primeira barreira no empreendedorismo feminino é a estrutural, refletida na sociedade que molda o “lugar social” da mulher, gerando desafios como a tripla jornada, pressões para adotar características masculinas, dificuldades em ocupar espaços de poder e falta de investimentos.
Apesar do crescimento da inovação no setor público, os desafios persistem, especialmente no acesso a investimentos para o empreendedorismo feminino, refletindo disparidades persistentes mesmo com o reconhecimento crescente da importância da diversidade de gênero.
Sendo assim, ainda que notável o crescimento da inovação no setor público nos últimos anos, impulsionado pela demanda por soluções tecnológicas governamentais, o campo ainda enfrenta desafios significativos, especialmente no que se refere ao acesso a investimentos. Quando abordamos o empreendedorismo feminino, essas barreiras assumem uma complexidade ainda maior. Embora tenha havido aumento no reconhecimento da importância da diversidade de gênero e mais conscientização sobre a necessidade de igualdade de oportunidades, as disparidades persistem, continuando a limitar o acesso e o avanço das mulheres no setor.
Para ilustrar a situação, um estudo recente conduzido pelo Boston Consulting Group acompanhou 350 startups, não necessariamente GovTechs, das quais 258 foram iniciadas por empreendedores do sexo masculino, enquanto 92 tiveram mulheres como fundadoras ou cofundadoras. Durante cinco anos, as empresas lideradas por homens obtiveram mais do que o dobro de investimentos, totalizando US$ 2,12 milhões, em comparação com os US$ 935 mil destinados às chefiadas por mulheres. No entanto, é interessante notar que, apesar dessa diferença, as companhias sob o comando delas geraram uma receita apenas 10% inferior àquelas governadas por homens.
Uma pesquisa conduzida pela consultoria McKinsey revelou que a presença de mulheres em cargos de liderança em conselhos administrativos tem um impacto significativo nos resultados financeiros das empresas na América Latina. O estudo, que analisou dados de diversidade e desempenho financeiro, apontou que as empresas com pelo menos uma mulher em seus times executivos tiveram 50% mais chances de aumentar a rentabilidade. Além disso, de acordo com o indicador financeiro LAJIDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) (EBTIDA em inglês) essas empresas apresentaram um aumento médio de 22% na margem. Os resultados destacam a conexão direta entre a diversidade de gênero nas lideranças e o sucesso financeiro das organizações na região.
Ao considerarmos o cenário das startups GovTechs (aquelas que criam soluções para o setor público), uma possível explicação para a escassez de investimentos e financiamentos pode ser atribuída ao fato de que o setor continua predominantemente masculino. Isso resulta em desafios expressivos para as empreendedoras, que muitas vezes enfrentam dificuldades para estabelecer conexões com mentores, investidores e parceiros de negócios.
Outro aspecto crucial a ser destacado é que, devido à predominância de homens no comando do universo das GovTechs, as mulheres se sentem compelidas a se afastar de suas abordagens originais na gestão dos negócios. Frequentemente, são influenciadas a acreditar que devem adotar uma postura mais masculina para serem socialmente aceitas e ouvidas. No entanto, essa adaptação forçada é uma via equivocada e normalmente dolorosa para elas.
A importância da diversidade na construção de soluções, especialmente em GovTech (tecnologia para governo), é evidente ao considerar a perspectiva única que a experiência feminina oferece em comparação com a masculina. A inclusão de diversas vozes e experiências na concepção de tecnologias governamentais não apenas promove equidade, mas também enriquece a inovação, resultando em soluções mais abrangentes e eficazes para atender às diversas necessidades da sociedade.
A cultura corporativa em algumas GovTechs muitas vezes carece de inclusão, o que pode resultar em um ambiente de trabalho menos acolhedor. Além disso, existe uma lacuna considerável na capacidade de apoiar mães e cuidadoras que enfrentam a desafiadora tarefa de equilibrar múltiplas responsabilidades. Nesse sentido, é importante adotar horários mais flexíveis e implementar iniciativas que incentivem a permanência dessas profissionais.
Em resumo, os desafios do empreendedorismo feminino nas GovTechs são evidentes, com desigualdades de investimento e preconceitos persistentes. Embora a diversidade e a inclusão estejam em ascensão, ainda há muito a ser feito. Para promover mudanças, é fundamental garantir igualdade de oportunidades, apoio e cultura mais inclusiva. Isso não apenas fortalecerá as próprias mulheres, como também enriquecerá o mercado que ganhará com soluções inovadoras.
(*) CEO da PrimeDialog, startup que usa tecnologia para promover desenvolvimento humano e bem-estar emocional com chatbot cognitivo;
(**) Advogada, cofundadora da SocialTech Quero Você Eleita, investidora e membro do Conselho de Administração da Dome Ventures, uma Venture Builder GovTech que nasceu com o propósito de transformar o futuro das instituições públicas no Brasil.