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Crianças cuidando de crianças

em Artigos
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

José Carlos Sturza de Moraes (*)

Uma das pautas prioritárias das gestões estaduais e federal, recém-eleitas, é a Educação

O tema foi recorrente na maioria dos governos municipais no pleito realizado há dois anos. É prioridade de inícios de mandato porque, em regra, não é prioridade de Estado real. Apesar de tratar-se de um direito previsto na Constituição Federal, a Política de Educação não tem sido bem encaminhada pelos governos.

Além disso, a Educação não é uma ilha e depende de fatores externos às políticas educacionais. O rendimento escolar, muitas vezes, também está ligado ao contexto socioeconômico dos estudantes e de seus familiares. As classes C, D e E, por exemplo, enfrentam o tema absurdo e persistente de crianças e adolescentes cuidando de outras pessoas da família, normalmente irmãos mais novos, em vez de focar sua atenção aos estudos.

Pesquisa publicada pelo UNICEF, realizada em agosto de 2022 e que ouviu 1.100 meninas e meninos de 11 a 19 anos de todas as regiões do Brasil, constatou que 11% não haviam voltado às escolas após a pandemia. O dado representa uma evasão escolar de mais de dois milhões de estudantes no país. Entre as causas apontadas, 28% destacaram o fato de terem que cuidar de familiares em suas casas. Dos 21% que seguiram estudando, mas que pensaram em desistir da escola nos três meses anteriores à pesquisa, 19% trouxeram este mesmo motivo.

A falta de creches e pré-escolas e de ensino em turno integral, especialmente para estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, explica a maior parte dessa realidade preocupante.

Um misto de exploração do trabalho infantojuvenil “invisibilizado”, aliado à fragilização do cuidado familiar, por vezes expondo crianças a ações arbitrárias das agências de proteção, como a retirada de crianças de suas famílias por negligência ou abandono, mesmo sendo essa negligência claramente do Estado e não das famílias.

Também as crianças estão expostas a riscos de acidentes e negligências diversas, em vez de usufruírem do direito constitucional à Educação. Perante essa realidade, é impossível se pensar no Direito à Educação sem o apoio às famílias em maior situação de vulnerabilidade.

Ainda mais quando essa vulnerabilidade tem relação direta com o não atendimento adequado da própria Política Pública de Educação como é o caso da falta de vagas na Educação Infantil, tanto de creches quanto de pré-escolas, e da baixa oferta de turno integral nas escolas brasileiras.

(*) – É cientista social, mestre em Educação e coordena o Instituto Bem Cuidar, uma iniciativa da Aldeias Infantis SOS.