O setor financeiro provou que cultura organizacional, comprometimento de líderes e investimento em tecnologia podem conduzir as empresas de saúde para um futuro competitivo, priorizando a jornada do paciente
Laís Fonseca (*)
O open banking, traduzido hoje em sua melhor atualização, o open finance, ainda não foi consolidado no Brasil, e isso deve ser encarado como algo normal. A ideia de estabilização, ou melhor ainda, a de evolução do sistema, está longe de ser cravada, por mais que a segunda parte da 4ª fase da iniciativa esteja programada para o final de 2024. No entanto, assim como deve ocorrer com outras áreas e mercados, o setor da saúde será um dos primeiros a caminhar pela estrada que foi aberta e apascentada pelas instituições financeiras.
Desse modo, as empresas do setor podem extrair lições das dificuldades e oportunidades que o open finance encarou. O melhor, e o pior dessa inovação, passa por uma tríade: cultura organizacional, comprometimento da liderança e investimento em tecnologia. Para explorar esse tripé, e ajudar as empresas do setor de saúde a serem guiadas da maneira menos árdua, precisamos voltar de maneira breve ao que ocorreu nos últimos anos no setor financeiro.
Em 2018, o Banco Central iniciou as discussões sobre a criação de um sistema financeiro aberto entre as instituições, tanto privadas como públicas. Em 2019, o Bacen começou a ouvir o público por meio de consultas e foi amadurecendo a ideia do open banking, até que, em fevereiro de 2021, alterou a nomenclatura por open finance, incluindo não só bancos, mas também fintechs e operadoras de créditos, investimentos e abertura de contas de PF e PJ, entre outros serviços e produtos.
Primeiras lições
Aqui fica evidente algumas das diretrizes para as empresas e instituições públicas do setor de saúde. A primeira é que o open health precisa de uma liderança estável e, preferencialmente, que seja neutra o suficiente para garantir a todos os atores do setor a equidade necessária para ofertar serviços e produtos entre os participantes da iniciativa, incluindo investidores, fornecedores e, claro, os pacientes — clientes finais, em síntese. No setor financeiro, como descrito, a instituição responsável foi o Banco Central.
A título de exemplo, a iniciativa pode ser conduzida pelo Ministério da Saúde, que no ano passado lançou um projeto, tendo como referência o open finance, para “estimular a concorrência e promover maior qualidade no acesso à contratação de planos de saúde para mais de 49 milhões de beneficiários”. De lá para cá, não houve mais comunicação sobre o plano. No mais, como visto, foram praticamente seis anos da primeira discussão sobre o open banking até a posição que, hoje, se encontra o open finance.
Em outras palavras, o open health vai levar um bom tempo para ser construído. Uma operação como essa, que impacta milhares de negócios e milhões de pessoas, não será, e nem deve ser feito do dia para noite. Assim como ocorreu no setor financeiro, as instituições que irão guiar o open health devem viabilizar segurança, treinamentos, debates, propostas atrativas às empresas, e tempo para que possam se adequar às propostas e, mais, feito de forma equânime.
Tríade do open health
Poderíamos chamar esse tópico mais prático de “como as empresas fazem; ou como elas deveriam fazer”. Não se trata aqui de passo de ousadia, pois cada empresa sabe o que é o melhor no momento e para o futuro. No entanto, como dito, estamos olhando para as experiências positivas e negativas que ocorrem na trajetória do open finance, e como as empresas podem aproveitar esses exames pragmáticos.
Esse é um tema complexo e vem sendo debatido há décadas. Nos últimos anos ganhou destaque no mercado, incluindo no setor de saúde. Quando falamos de cultura organizacional alinhada ao projeto de open health, abordamos o comprometimento que executivos e colaboradores têm em vivenciar hábitos e rotinas alinhadas com o projeto.
Isso significa afundar a cabeça em reuniões, debates, muita leitura e estudo de iniciativas e tecnologias que são ou que podem ser aplicadas em um modelo na saúde. Assim como ocorreu no open finance, o open health é um experimento sério que precisa ter respaldo, vivência e oportunidades de descobertas, pois estamos falando de inovação.
Como qualquer outra cultura, a do open health não é um estágio, é uma etapa que deve ser construída e finalizada. Ela deve ser constante, começa hoje e nunca termina. Em outras palavras, ela precisa ser alimentada com novas perspectivas e retroalimenta com o que já foi visto. Fora isso, quanto maior o projeto e sua evolução, a cultura organizacional do open health tende a ser ainda mais envolvente e desafiadora na empresa.
As empresas que não estiverem inseridas nesse contexto tendem a ficar à margem da inovação e serem menos relevantes no mercado. Investimento tecnológico é vital. Não existe open health sem esse investimento. Nesta lógica, sejamos sinceros, empresas que não reservam recursos financeiros para isso tendem a desaparecer nos próximos anos. Assim, todas as vezes que a palavra inovação aparecer no setor de saúde, leia open health, interoperabilidade de dados, personalização de serviços, produtos e comunicação.
Se a corporação não vê no open health o futuro da organização — a escolha é de cada um -, no mínimo recomendamos que invista em processos e ferramentas digitais, a começar com um prontuário digital. Em outras palavras, para sobreviver hoje, e precisamente no amanhã, empresas de saúde precisam ser digitais. É uma corrida contra o tempo, na prática. E se você acha que sua empresa já alcançou um teto na digitalização, continue pesquisando e saiba que há muito a ser feito.
O setor de saúde tem capacidade de não só alcançar, mas também superar números como esses do open finance. Resta saber quem irá liderar esse projeto e quais empresas irão estar envolvidas, uma vez que hoje o seu desenvolvimento é uma questão de tempo e, principalmente, de iniciativas.
(*) CEO e cofundadora da tech health QBem, que usa engenharia e inteligência de dados para gerar melhorias para o sistema de saúde.