Felipe Avelar (*)
Vivemos no Brasil atual uma combinação perversa de fatores: falta de comando e uma pandemia em níveis brutais que ceifa vidas e empregos.
Até fevereiro, ao completar doze meses da chegada do vírus ao Brasil, 1, 04 milhão de negócios haviam fechado, segundo dados do Ministério da Economia. Dados do IBGE mostraram que até abril, 14,4 milhão de pessoas estavam desempregadas. É a pior taxa desde o início da contagem, em 2012. E o dado se torna mais preocupante quando observamos a falta de um comando capaz de reverter esse quadro nos próximos meses.
É possível concluir que a crise instaurada pelo coronavírus afundou de vez o que há anos estava à deriva. Em 2015 e 2016, no segundo mandato de Dilma, a queda do PIB acumulou 7,2%, o pior entre 38 países avaliados pela Austin Ratings. O índice era reflexo da alta inflação, da escassez de crédito e do aumento do desemprego que, na época, chegou a 12,6%. Após a saída da presidente, seu sucessor, Temer, ensaiou uma retomada. A taxa de juros reduziu de 14,25% para 6,5%, a inflação passou de 9,32% para 2,76%. Mas o desemprego subiu para 13,1%.
Para além dos números, o que vemos hoje é um jogo político escrachado de interesses próprios e plano de poder de olho nas eleições do ano que vem. A começar pelo clã Bolsonaro que lida com acusações como o caso das rachadinhas e usa fake news e acusações sem provas contra um dos maiores parceiros comerciais do país e fornecedor de insumos para a produção de vacinas contra a Covid-19: a China.
E nosso presidente segue afirmando que a pandemia é consequência de uma “guerra biológica” e, como sempre, por razões óbvias, sem apresentar provas. A especulação, já desmentida pela OMS, na prática só dificulta nossas relações comerciais e emperra a chegada de insumos e de vacinas ao Brasil. Neste momento, o cenário reforça a ideia de uma década de 1990 decepcionante na perspectiva econômica e aponta para um novo período de resultados pífios.
Em um país com negócios fechando as portas e com o desemprego em alta, não é de se estranhar que os brasileiros, que ocupavam a 29ª posição no World Happines Report, o Relatório Mundial de Felicidade, hoje ocupem a 41ª entre 95 nações. Afinal, o Brasil, que em 2010 vacinou 80 milhões de pessoas em três meses contra a H1N1, hoje luta para chegar a 25 milhões de cidadãos totalmente vacinados em campanha que começou em janeiro. Além de salvar vidas, o ritmo de imunização é essencial para a retomada dos negócios, empregos e do nível de satisfação da população.
Estima-se que o PIB tenha encolhido 4,3% em 2020. E isso não se deve apenas ao coronavírus. Já em 2021, a FGV apontou crescimento de 1,4% da economia em fevereiro Em comparação com o mesmo período de 2020, o crescimento é de 1,6% , mas não podemos nos enganar. Não há motivo para aplausos ou para prestação de continências. Estas taxas são comparativas a meses de profunda recessão. Aos empreendedores, comerciantes e prestadores de serviços, resta buscar novas saídas para não fecharem suas empresas.
O mercado financeiro aposta em duas principais soluções: a liberação de crédito e a diminuição de impostos. Apenas o Pronampe não é suficiente. É preciso um projeto maior ou programas que não abarquem empreendedores por meses, mas sim que tracem um planejamento a longo prazo. Ainda sobre a liberação de créditos, cabe ao governo garantir a oferta de capital de giro de maneira que o empreendedor não seja refém de bancos tradicionais, passíveis de rejeitar o financiamento na situação atual.
E precisamos, mais do que nunca, das tão postergadas reformas administrativas e tributárias. Mas essas mudanças acontecerão? Ao que o cenário indica, não será esse o nosso caminho. O que se apresenta como solução continua a ser a dependência das demandas externas da exportação de commodities brasileiras, por parte de países consumidores como a China e os Estados Unidos, com o Brasil mais uma vez “acomodado” nesse cenário de exportador de matéria-prima e importador de produtos industrializados, o que mascara graves problemas estruturais.
Outro ponto de inflexão será, provavelmente, um caminho duro e ainda ao custo de muitas vidas até chegarmos ao estágio de vacinação em massa na classe mais produtiva brasileira (pessoas com idade entre 30 e 50 anos) e a liberação da produção econômica. Em um cenário como este, tudo indica que viveremos, como diz o amigo e consultor em estratégia Fausto Morey, o “capitalismo de laços”, descrito pelo professor Sérgio Lazzarini em seu livro de mesmo título como “um emaranhado de contatos, alianças e estratégias de apoio gravitando em torno de interesses políticos e econômicos […]
Trata-se de um modelo assentado no uso de relações para explorar oportunidades de mercado ou para influenciar determinadas decisões de interesse”. Ou seja, o país continuará traçar caminhos tortuosos e buscará um novo “jeitinho brasileiro”, que mais uma vez não combate a causa, mas que se adapta às consequências.
(*) – É fundador e CEO da startup Finplace, fintech que conecta empresas que precisam de crédito com instituições financeiras. Foi por 10 anos vice-presidente de operações do Grupo Credit Brasil (www.finplace.com.br).